quinta-feira, abril 16, 2009

Carolagens

Diz o ateu, em seu juízo,
o acompanha o iconoclasta:
mas que merda! - e com siso
manda à merda a gente casta.

Ao caralho o tal pudor!
Ao caralho aquele cristo!
A paixão, o perdão, o amor,
a virtude, o mais benquisto!

Mas pudor maior quem tem
de evitar o que é sagrado?
É moderno aquele quem,
a gritar despudorado,
a sagrada ordem desdém
por amor ao indeificado?

Medo tem de assim citar
a sagrada, a escritura;
de a beleza concordar
ter a santa escrita pura.

Por pudor é que assim agem,
sendo assim conservadores,
mais que os que à santa imagem
são os povos devedores.
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Escrevi-o para dizer que é impossível, mesmo para o ateu bruto e convicto que adora atacar a tradição religiosa pelo embrutecimento do homem no passado e a subjugação do ignorante no presente, não sentir a beleza de versos como os que seguem. Atacá-los, os versos, pela estúpida devoção é coisa de iconoclastas estúpidos, que vem estupidez em toda forma de adoração, sendo estupidamente devotados ao ofício de maldizer o que é - cristianamente, e só o que é cristão parece ser assim estupidificável - sagrado. Está dentre as mais belas estrofes dos poucos sonetos que já li:

"A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados"
Gregório de Matos

3 comentários:

Enaie Maire Azambuja disse...

Realmente, essa estrofe é de uma força imagética incrível. É sim, de uma beleza que espanta até mesmo a um ateu! hehe... Eu, mesmo como uma boa adepta do ateísmo, imaginei a terrível cena de um Cristo crucificado. Pois, afinal, era um ser humano. Terrivelmente torturado, "dilacerado".

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fernando Marcellino disse...

Me parece que hoje é possível encontrar essa mesma questão sob a ideologia pós-moderna da pós-ideologia, pós-verdade, pós-industrial, pós-realidade etc. Sob a ideologia do pós se sustenta uma adoração maior e mais implícita do que uma classeca diretriz, como diria o filósofo Fox Mulder, "a verdade está lá fora"