sexta-feira, março 25, 2011

Tradução de Emily Dickinson em chave cretina*

*Chave cretina é assim: "ah, é? não deu? Pois vai dar!" Aí sai o que saiu; e, de preferência, que se arranje uma defesa de rábula para cada opção tradutória. De sorte que se possa provar, se demandado, que a lorpice é consciente e que ainda há laivos de (má) inteligência nos neurônios do século. A estética da cretinice, mais cínica que Diógenes pouco-se-lhe-dando Lula, o Cara, vaticino e vitupero, ainda vira Arte.


Já fizera uma tradução cretina de Arquíloco aqui. Mas esse poeta, que ao cantar um estupro goza com um "λευκ]ὸν ἀφῆκα μένος / ξανθῆς ἐπιψαύ[ων τριχός" (jorrei uma força branca/tangendo seu cabelo loiro), já cretinizou de antemão todos os seus possíveis tradutores; bem ao contrário da sutilíssima Dickinson, aqui espinafrada.


If I can stop one heart from breaking,
I shall not live in vain;
If I can ease one life the aching,
Or cool one pain,
Or help one fainting robin
Unto his nest again,
I shall not live in vain.

Se acaso evito um broken heart,
Não vou viver em vão;
Se acalmo a vida o latejar,
Ou sopro um vergão,
Ou faço repassarinhar
A rola queda ao chão,
Não vou viver em vão.

quarta-feira, março 16, 2011

Parêntesis

hoje acordei sabendo
(lucidamente com a certeza das enchentes e a do homem que lê jornais e está seguro de que as ruas estão destinadas à (entre aspas) livre circulação das buzinas - dentre as quais as que acham tudo um absurdo, as que acham que este não é um país sério e as que creem ser exatamente aquela entre trezentos e cincoenta a ter conquistado a gatinha na calçada - não contando as sérias contradições entre uma e outra convicção)
que faria alguma coisa

uma coisa nova com uma palavra nova
com a qual acordei

ora, se não fiz, não me culpe
a palavra nova talvez fosse um sonho tão certo no rosto lavado e tão pouco já no café
mas a certeza será a mesma
amanhã (e afinal nada se perdeu)