sexta-feira, março 30, 2012

Tes yeux

peints en mystique orientale
presque vivants déjà morts
comme l'Idée eternelle qui hante

je les suis tombés
par terre

domingo, março 11, 2012

besta

besta
de mordida ritmada
garra medida nas veias da palavra
- não me abriga o verso

deito na abstração suave
decerto igual ao mundo

e amo
sem choque nem toque
palavras

terça-feira, março 06, 2012

[ ]

[uma folha branca levanta a suspeita]


Os teus rostos, amores de meus dias, cofres de minhas noites tão antigas quanto o amor que se fazia por ignorância por maldade ou por infância, antes mesmo dos tomos que nos dão a ver quem somos quando amamos ou como valemos toda a pena que somos quando amamos ou como não merecemos pena alguma se choramos, estes teus rostos sexta e sábado, estes teus rostos hálitos madeira dos meios-dias que me abreviam manhã por manhã, estes rostos teus, de meus amores, meus amores, são também folhas brancas

[uma folha branca devora-o pelas margens]


E margeiam, amores de meus dias, tuas mãos, senhas de minhas noites maldormidas, e margeiam tuas mãos o rio caudaloso do meu desejo o caudaloso rio do meu desejo, como a poeta tateia um alfabeto, se emenda a cântaros, se mete em tártaros, se toca pelos pequenos tânatos e se afasta com um pequeno gesto e contempla comigo tuas pequenas mãos vazias das letras dos mundos da marginalia dum fragmento ainda não inscrito

[uma folha branca o escreve sem resíduos]


E tuas pernas, amores de meus dias, sentinelas de minhas noites mais vividas, escrevem a lei do lençol que se desalinha, a linha do anzol que me abocanha, e depois me vomita, a fenda de tuas febres que me abriga, e depois me abandona, a lei de todos as coisas que em pleno vôo são queda livre, tuas pernas, pernas de meus amores, me tomam me tramam me tramoiam me traem me trazem de novo ao ponto branco do fundo branco da mesma folha branca de uma vida

domingo, março 04, 2012

Toujours

Por Guillaume Apollinaire


A Madame Faure-Favier.

..........................................Toujours
Nous irons plus loin sans avancer jamais

Et de planète en planète
De nébuleuse en nébuleuse
Le don Juan des mille et trois comètes
Mêmes sans bouger de la terre
Cherche les forces neuves
Et prend au sérieux les fantômes

Et tant d'univers s'oublient
Quels sont les grands oublieurs
Qui donc saura nous faire oublier telle ou telle partie
.......du monde
Où est le Christophe Colomb à qui l'on devra l'oubli
.......d'un continent

................................Perdre
Mais perdre vraiment
Pour laisser place à la trouvaille
.................................Perdre
La vie pour trouver la Victoire

[SEMPRE
À senhora Fauve-Favier*

Sempre/Iremos mais longe sem avançar jamais // E de planeta em planeta/De nebulosa em nebulosa/O don Juan dos mil e três cometas/Mesmo sem mover a terra/Busca as forças novas/E leva a sério os fantasmas // E tantos universos se esquecem/Quais são os grandes esquecedores/Quem então saberá nos fazer esquecer esta ou aquela parte/do mundo/Onde está o Cristóvão Colombo a quem se deverá o esquecimento/de um continente // Perder/Mas perder de verdade/Para dar lugar ao achado/Perder/A vida para encontrar a Vitória].

*O nome da destinatária da dedicatória do poema me é muito sugestivo. Significa algo como Fera-Produtora de Favas, segundo a origem do nome Favier. Em uma leitura muito particular, o poema canta um progresso imóvel, que avança sobre tudo, que tudo descobre e tudo anexa, para deixar no lugar de tudo a ruína, o esquecimento, a perda. Dedicando-se a uma fera, o sempre do poema hipostasia a voracidade e a sedução caçadora que a ela se ligam, e faz nascer de sua violência um campo de favas. Estas, apesar do regime vegetariano dos antigos pitagóricos, eram proibidas, pois nasciam da podridão, da decomposição das carnes, das suas ruínas - comer fava, por isso, era também um ato de sarcofagia, quando não de antropofagia. A fera que a tudo arrasa nos lega a produtividade da ruína, da podridão, a fava. Nossa madame Fauve-Favier se torna assim todo um significante em que se delineia o paradoxo do progresso, tal como visto por Benjamin: o anjo que não pode resistir à violência do vento que o empurra ao futuro, mas contempla horrorizado o passado como uma montanha de ruínas e de perdas. A Vitória de seu progresso é uma fava.**


**Percebi depois de todo arrazoado acima que minha leitura derivou de um erro. Troquei uma letra na tradução: de Faure, para Fauve. Mas não a apago, porque leituras também se fazem dos erros. Mas continuo: o nome corrigido, Faure, é uma corruptela de Faber, fabricante. E eis que no equívoco a leitura se enriquece: fabricante-fera-fava. Homo faber: o que constrói o mundo, a partir da violência contra a matéria, a violência contra o substrato das coisas que nos rodeiam. Continuamos no mesmo universo, o da criação ávida que viola o mundo sem preguiça.