quarta-feira, agosto 30, 2006

Verdal - parte 2.1

TIRÇO, ELENO e CIRINO – Trabalhadores avulsos da Faz. Santa Clara
NEGUINHO – Rapaz órfão trabalhador da Faz. Santa Clara
JOSUÉ e ALEMÃO – trabalhadores e capangas da Faz. Santa Clara
CORONEL LOMBARDO – dono da Faz. Santa Clara
D. ROSA – mulher de Coronel Lombardo
D. CISSA – cozinheira
DANDARA – cozinheira e filha de D. Cissa
CORO – mulheres dos trabalhadores


(Crepúsculo. Em último plano, os fundos da casa da fazenda. Em primeiro plano, as casas de madeira dos empregados. À frente, uma fogueira e um panelão, de onde emerge uma fina fumaça. À sua volta, TIRÇO, ELENO, CIRINO e JOSUÉ descansam tomando chimarrão).


ELENO

Toma cá outra cuia que te ofereço.

CIRINO

(Pegando a cuia)
Grato.

ELENO

Cuidado, que está transbordando.

CIRINO

Tirço, sentes o vento frio que bate,
a exigir que cobramos nossos filhos
de blusas que não podemos comprar;
vindo do sul e ao norte transportando
das flores polens para a vida, para
novos campos de algodão cultivar?

TIRÇO

De que serve tudo isso? Viver é
sofrer, nada mais! Por que a vida refaz-se?
Para somente refazer-se de novo,
e de novo, e sem fim. E nada mais!

ELENO

Exagerais os dois! Nem frio é tal zéfiro,
mas apenas adota o frescor do outono;
nem ruim é a vida, embora difícil.

JOSUÉ

Nem pareceis homens! Como mulheres
falais. Eleno, pranteiam os dois
qual dengosinhas, qual fazem costureiras
e cozinheiras.

ELENO

E essas meretrizes!

JOSUÉ

Sim, e essas meretrizes, que adormecem
ardidas das virilhas, mas por bom
merecimento: desejam por dinheiro
darem-se, ao invés de, como direitas
moças, casarem-se e dos seus maridos
ocuparem-se, como diz a regra.

TIRÇO

Tu não tens de que se queixar mesmo!

(De uma das casas sai Dandara, que passa à frente do grupo, todos olham sua bunda)

JOSUÉ

Cheirosa!

DANDARA

(Balança o cabelo com ar de desdém)

Mas não para ti, insolente!

(Dandara sai do lado oposto de onde apareceu)

JOSUÉ

(Dirigindo-se a TIRÇO)

Tenho sim! E essa mulher que nem bola
me dá? Ara! Ela vai lá se engraçar
com o Coronel! Tivesse eu dinheiro
e a desonraria completamente!

CIRINO

Acaso não tens mulher, Josué?

JOSUÉ

Olhai quem fala! Não foste tu mesmo
que deixaste a mulher ao teu fogão
p’ra cortejar a senhora dona Rosa
ao inquieto cricrilar dos gafanhotos?

CIRINO

A ti não cabe dizer de mim mesmo!

JOSUÉ

Nem a ti de mim, capiau ingrato!
Tem mais respeito para com teu chefe!
Não fui eu quem o contratou, benigno,
impedindo que teu filho faleça
faminto enquanto colhes algodão?

CIRINO

Pois somente ao Coronel obedeço!

JOSUÉ

(Levantando-se)
Mas por mim foste contratado, ingrato!

TIRÇO

(Levantando-se e interpondo-se entre CIRINO e JOSUÉ)
Parei com infrutíferos discursos,
homens. Pois cá na fazenda sois de paz,
como bons colegas de profissão.
Ainda que a um se atribua o meio
pelo qual houve o contrato de emprego,
sois de um só e mesmo patrão empregados!
Queiras ou não, Josué, contratar-nos
foi somente ato teu como preposto
do Coronel. Queiras ou não, Cirino,
Josué é sim teu chefe, e o é
de todos nós, como determinou
o senhor Coronel Jorge Lombardo!

ELENO

Bem falaste, Tirço, mal se exaltam
os ânimos por aqui. Fiquei calmos,
pois, vós, e tomei vosso chimarrão.

(Neguinho vem da casa da fazenda)

Não é Neguinho que lá se aproxima?

TIRÇO

É sim, se não me enganam os meus olhos.

JOSUÉ

Já posso prever a que se tributa
a sua chegada a essa roda de cuia.
O Coronel voltou, e é dever meu
assessorá-lo com seu alazão.

(Neguinho chega à roda. Dirige-se a Josué)

Podes poupar tuas palavras, homem!
Creio que já conheço o teu recado.

NEGUINHO

Pois então vá e ajude o Coronel.
Sabes que somente a ti ele confia
as rédeas de Pelego, seu cavalo.

JOSUÉ

Vou sim. Uma boa noite aos senhores!

ELENO, TIRÇO e NEGUINHO

Boa noite!

(Sai JOSUÉ)

CIRINO

(à parte)
É o que a ti não desejo...


TIRÇO

Cirino, que insanidade se abateu
sobre ti? Se tu tivesses travado
duelo contra ele, mesmo a vitória
te derrotaria. Expulso serias,
e o inverno todo sem um níquel mísero
passarias, a olhar vazia a mesa
a qual teus filhos lamberiam tristes
à procura de migalhas de pão
esquecidas, por acaso, nos dias
em que a essa mesa podias prover.

CIRINO

Guardo dúvidas se a honra que tenho
não seria mais cara que viver!
Pois até a meus filhos, bem educados
como homens, um pai morto em duelo
defendendo a honra da própria família
vale mais que a humilhante servidão!
Não jurou fidelidade ao altar,
defronte do padre santíssimo, minha
mulher a um homem, acima de tudo?

NEGUINHO

Não, não toques nesse assunto, por favor!
Ai de mim, que tenho a língua indomável!

CIRINO

Que escondes?

ELENO

Nada, Cirino! Neguinho
é um baita de um piromaníaco inventor
de historietas sem sentido algum!

(Dirige a NEGUINHO um olhar repreensivo)

NEGUINHO

Ah, Eleno! Tu não queres saber mesmo?
O que guardo também a ti concerne;
tanto quanto a Tirço, mas este... rá!
prefere o dessaber à verdade!

TIRÇO

Que travessura é essa agora, rapaz?

NEGUINHO

Travessura, sim! Mas não por mim feita!

CIRINO

Ah, que te arranco os olhos, preto sujo!

NEGUINHO

Tanto quanto tu, tição apagado!

ELENO

Chega, Neguinho! Senta e toma tento!

NEGUINHO

Ah, pois! Bufa Cirino, esse briguento;
posas de pai meu, e pai nunca tive;
e até Tirço o cenho franze: adeus!

(Gira em seu próprio eixo e faz menção de partir)

CIRINO E TIRÇO

(Tirço segura Neguinho pelos ombros)
Senta!

NEGUINHO

Não sento!

CIRINO

(Empunhando uma vara em brasa)
Senta!

NEGUINHO

Tá bom, sento!

ELENO

E sossega, rapaz! Tu vai contar
o que sabes, ou terá que se ver
com as esporas de nossas botinas!

NEGUINHO

E agora eu sou cavalo, então, senhores?
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terça-feira, agosto 29, 2006

Rosebud

To Citizen Kane


A rose that shall forever be:

an unknown self
burried under
the hourglass sand;

since the unglorious past
'til the fading eternity.

quinta-feira, agosto 24, 2006

Soneto

Alarga tua boca com prazer
Ao rir de mim que me percebo incerto.
Ri de meu choro, de meu peito aberto,
De um riso meu, do que me faz sofrer.

Ri, mas com todo dente descoberto,
De tal modo que as gentes, ao te ver,
Vejam o que te faz escarnecer:
Eu vago e impreciso, insano e liberto.

E vai rindo sempre do indefinido
Que sem cessar fui. E quando bastante
Tua infalível boca tiver rido,

Olhar-te-ei eu com pena, intimorato.
Porquanto tudo fui, sendo inconstante,
E nada foste tu, sendo tão exato.