quarta-feira, maio 28, 2008

É isso!

O Agrimensor de Kafka nunca chegará ao Castelo por culpa da flecha de Zenão!

Por que a angústia? A lógica já nos deu tudo!

domingo, maio 25, 2008

Para constar

Odeio textos que comecem com um verbo no pretérito imperfeito.

Enfim, quase a totalidade dos blogs. Até este.

quinta-feira, maio 22, 2008

Lógica do sentido: a boca (ou Estudo do sorriso)

Tua boca é muita. Tua boca é tanta. Na tua boca não hão de caber sorrisos: teus lábios exageram, preenchem todo o vão e vão além; excedem-se nessa curvatura maliciosa que se insinua contra o mundo, ao que com humilde parcimônia o vocabulário oferece a simples palavra biquinho. Tua boca é tanta - não hás de sorrir, não hás - tua boca é muita. E no entanto um movimento se desenha, os cantos se distanciam, teus olhos se espremem, uma muralha de marfim se descortina. Sorris!, e sorris contra todo prognóstico da minha futurologia, que se demasia em lógica. Sorris tão grandiosamente quanto são enormes as carnes que se ruborizam nos travesseiros dos teus beiços, sorris com tantos dentes quanto são os golpes que explodem nas minhas costelas toda vez que o fazes. Como diabos sorris sem apertos, como diabos o sorriso vence tamanhos lábios, como diabos cabem sorrisos e lábios em tua boca? É sorriso de feiticeira que me prostra no evasivo sentido da tua boca que tento compreender. Tua boca acaba no sorriso: encerra-se ali o seu significado. Tua boca é isso, não entrada para o teu ser, não cavidade bucal. Ela é a saída, teu desabrochar para meus torturados olhos (amantes de lábios e dentes), ela se resolve inteira neste simples plano do teu sorrir. Para que investigar suas profundezas, onde tudo é falso? Tua boca acaba nos teus dentes ostensivos, tua boca me basta aí. É bastante, é muita, é tanta.

segunda-feira, maio 19, 2008

A Cidade

O prédio de bastas vidraças
perguntou ao prédio cinquentenário:
- Como vai, meu velho?

O prédio de cinquenta anos
não respondeu porque pensou ser louco:
- Prédios não falam - murmurou.

E eu, que estava no meio da rua,
descobri que a cidade não dialogava
por causa de mitos imbecis.

segunda-feira, maio 12, 2008

As meias mágicas

No aniversário de C., A. veio visitá-lo. Trazia no pacote de presentes um par de meias azuis. C. nunca gostou de ganhar meias, e A. sabia disso porque ele lhe contara da madrinha pão-dura que só lhe dava ou meias ou um cachecol verde que ela mesma fazia com a lã das blusas velhas do filho. Mas A. não podia comprar com o dinheiro de sua mesada aqueles carrinhos de coleção ou uma bola nova. Comprou as meias numa loja escondida na Galeria Tijucas, só que não era um par qualquer: elas eram mágicas.
- Calce, calce – disse a menina depois que ele abriu o pacote, sorrisinho insosso na cara. Ele não queria porque as unhas do pé não estavam cortadas, então mentiu:
- Mas já estou usando o par que a minha madrinha me deu, veja.
A. insistiu. Mas por que diabos, ele pensou. Não pensou, no entanto, que era um presente estúpido, porque foi de A. que o recebera. O menino, que dela não esperava nada, achou que já era a maior vitória saber que a menina havia pensado nele. Disse que então teria que trocar as calças por uma bermuda para ver como as meias ficavam na canela, de modo que fugiu para o quarto a fim de colocá-las sem perigo de vexame.
- Olha, ficaram lindas! – opinou A.
C., que nunca dera atenção a meias, não sabia dizer se elas ficaram lindas ou não. Mas gostou porque A. gostara. Deu umas voltas exibindo-se à menina, que batia as mãos. Depois, ela disse:
- Olha só, é segredo: são meias mágicas.
- Hã? Como assim?
- Olha, eu tenho meias iguais – apontou para o pé e mostrou as meias amarelas, iguais à do menino a não ser pela cor.
- Sim, mas quê que tem de mágico nelas?
- Não percebeu ainda? Olha em volta, olha. Não tá tudo diferente?
Definitivamente não havia nada de diferente em volta. Nem no pé.
- Ah, seu bobo. Olha, essa meia não calça teu pé, tá vendo? Tá calçando tudo em volta, e teu pé é o que tá fora dela. Ela tá protegendo o mundo do teu chulé e não teu pé do chão ou do frio ou do tênis!
Ele riu. Ela o puxou pelo braço para o quintal para mostrar mais mágicas que as meias faziam. Sob o vão da porta, bateu no umbral:
- Tá vendo aqui? Olha! Você não tá mais saindo de casa, você tá entrando no mundo! Aqui é dentro – pôs o pé na varanda – e aqui é fora – pôs o pé no tapete da sala. É a meia que mudou tudo, tá vendo?
- É verdade! – ele disse rindo para participar da brincadeira. Mas A. levava a sério. Se C. voltasse, ele estaria saindo para a casa, mostrava a menina ao rapazinho incrédulo. Chamou-o para dentro, que era o mundo, e arrancou do jardim uma flor, dando-a ao menino, dizendo:
- Olha só, a rosa me largou e pegou você!
Ele então, para testar a menina, largou a rosa, que foi ao chão. Ela exclamou:
- Ai ai, que flor cruel! Te largou e você ficou no chão!
- Mas eu já tava no chão, tonguinha.
- Tava porque ela não te ergueu, seu bobo.
- E por que então ela tá no chão agora?
- Como você é! Ainda não viu que o chão é que veio até ela? - pegou a rosa – E agora ele a jogou pra ela me segurar!
- Espertinha, tá tudo igual. Essa meia não é mágica não.
- Ah, é?
A. tirou os olhos da flor e fitou os de C. Num salto pra frente, fez tocar na dele a sua boca. O coração do menino virou uma lebre correndo no bosque, e a mão uma pedra imóvel que jamais reage. A. enrubesceu, mas saiu com essa:
- Você me beijou! Você me beijou!
- Eu..., mas, não..., foi..., foi...
- E eu... Eu gostei...
- É? Eu..., você gostou?
- Ah, de onde você tirou coragem, seu atrevido?
- É... As meias! É que elas são mágicas, sabe?

domingo, maio 11, 2008

"O paradoxo é, em primeiro lugar, o que destrói o bom senso como sentido único, mas, sem seguida, o que destrói o senso comum como designação de identidades fixas."
Gilles Deleuze

A lógica do sentido - o beijo

Esquece epítetos vãos:
Ímpeto tresloucado,
Apaixonado arroubo,
Loucura, arrebatamento,
Verdade insofismável,
Corações fugidios
Dos peitos ardentes,
Puro amor, pureza,
Luta bela de línguas
E lábios e estalos,
Ingênuo enleio,
Encanto de bocas,
Encontro de almas.

Um beijo é sempre e só isto:
Inútil toque entre
A incógnita e a revelação.

Nunca nesta ordem necessária.
Nunca no repouso de uma ordem.

quarta-feira, maio 07, 2008

He who hath glory lost

De James Joyce, com uma tentativa - a primeira e por tal condenável mas escusável - de tradução

He who hath glory lost, nor hath
Found any soul to fellow his,
Among his foes in scorn and wrath
Holding to ancient nobleness,
That high unconsortable one -
His love is his companion.

Ele que a glória perdeu, não
Viu alma que a sua seguisse,
Entre ira e desdém de inimigos
Defendendo a nobreza antiga,
Altaneira que a si só basta -
Seu amor lhe faz companhia.

quinta-feira, maio 01, 2008

tudo nos dias, o frio
os passos sempre dados
signos dum eterno erro
que nos trouxe aqui
os calores que não tenho
nos abraços imaginários
as decisões triviais
entre o café e a cerveja
entre ligar-te ou não
o vôo a que me convida
o vento que se choca
contra a fremente cortina
e até as facas, o quinto andar
o cadarço, a manga da blusa
o ímpeto de xingar
a todos na impessoal rua
tudo tudo tudo soa no
meu exagerado peito como
o terrível suspiro do suicídio