sexta-feira, janeiro 29, 2010

Painel do Leitor da Folha de S. Paulo de 29/01/10

MST
"Ou a Folha seleciona mal as cartas dos leitores de Curitiba ou esta cidade possui efetivamente a elite mais preconceituosa do Brasil.
Deve ser natural para a capital de um Estado que formou sua realidade fundiária a partir da grilagem maciça, patrocinada pelo governo no século passado, o que deu causa, na década de 50, à heroica Revolta dos Posseiros, esse capítulo arrancado da nossa história que o leitor Ruy Pigatto ("Painel do Leitor", ontem) classificaria por certo como arruaça criminosa.
Ele tem razão: aqui neste país não há justiça. Pena. Houvesse, a Cutrale, a grilagem e a concentração fundiária é que seriam triunfalmente expulsos da nossa história."
FELIPE AUGUSTO VICARI DE CARLI - Curitiba/PR


A carta acima foi motivada pela publicação, no dia 28/01/2010, dessa aqui:


MST
"Após o mundo inteiro ter visto, ao vivo, com som e imagem em cores, a brutal agressão e a destruição do laranjal da Cutrale, os caras de pau do MST têm a coragem de falar que "a polícia visa forjar acusações". Pena sermos um país sem justiça, que não impõe a lei a meliantes e arruaceiros como esses, travestidos de "agricultores sem terra", que já nos cansam com suas invasões e destruições de patrimônios alheios. E não venham agora com a história de "criminalizar" o que já é por si só criminoso."
RUY PIGATTO, engenheiro agrônomo (Curitiba, PR)

quarta-feira, janeiro 20, 2010

Divinas

o Verbo

ei-nos:
matéria

e ora de um poema que não conhece
nem vento nem mulher nem chuva
nem a lida num monte da Arcádia

o verbo
virou ferida

Diabólicas

He laughed to free his mind from his mind's bondage.
James Joyce

qualquer ideia grave de tudo
imolada na pedra
da realidade

tudo descarna em escárnio -
zomba teu último nome
se sobrevive ao diabo que sempre nega
- mas me dirás se rir é a pena que nos vale
a pena

(
fora mesmo riso
isso que ríamos?
)

domingo, janeiro 17, 2010

Algumas anotações sobre a poesia

A grande proeza e o grande fim da poesia é conferir a si mesma regras rígidas que impeçam a intuitiva articulação da linguagem submetida ao sentido e simultaneamente a necessidade de fazer transparecer algum (não este, não aquele) sentido. A verdadeira poesia, que desde já se ressente de uma palavra como "verdadeira", fará jus à sua categoria quando alcança o melhor equilíbrio possível dessas duas realidades antagônicas, e isso não se faz se não com uma profunda violência que não busca concessões nem da manifestação irrefreada do sentimento e do êxtase, nem do cálculo frio dos metros, dos ritmos e (a partir do profícuo intercâmbio entre poesia e arte plástica levado aos limites de sua potência pelo concretismo - ao que parece a última vanguarda respeitável), da configuração espacial do próprio poema.

Aos que vindicam a liberdade, dá-se o apreço dessa arte que, em verdade, nunca a negou, ao contrário do que pensam alguns vanguardamaníacos que insistem num berro iconoclasta contra ídolos já sepultos. Em poesia, liberdade não é o desbunde gratuito, pois até o desbunde é responsável consigo mesmo dentro das regras que escolheu - e nessa escolha está a verdadeira liberdade - respeitar e sacralizar. Toda profanação poética deve, pois, ser uma espécie de religião.

sábado, janeiro 16, 2010

Deu tilt

Deixa ver se eu entendi: numa democracia, como alguns defenderam (aqui e aqui), deve-se derrubar presidente e expulsá-lo do país sob o alegado motivo de que ele pretendia eternizar-se no poder ao propor REELEIÇÃO (como de resto já há aqui, ali e acolá; inclusive no nosso bastião norte-americano da democracia); e depois congratular o líder da derrubada com um mandato vitalício que se mantém sem NENHUM VOTO?!

Porra, se eu soubesse desse prêmio eu teria deposto o FHC!

quinta-feira, janeiro 14, 2010

Oliver Twist - Capítulo I

De Charles Dickens, tradução minha

Capítulo I - Que trata do lugar onde Oliver Twist nasceu e das circunstâncias que envolveram seu nascimento



Dentre os vários prédios públicos de certa cidade, a qual será prudente por muitas razões privar de menção, e à qual eu não atribuirei qualquer nome fictício, existe um que desdemuito é comum à maioria das cidades, grandes ou pequenas: precisamente, um abrigo da mendicância; e nesse abrigo nasceu - num dia e numa data que não vou perder tempo em repetir, vez que isso não trará ao leitor quaisquer consequências nessa altura dos eventos – o espécime da mortalidade cujo nome está prefixado no caput deste capítulo.


Durante muito tempo, depois que foi lançado neste mundo de tristeza e desdita pelo cirurgião da paróquia, permaneceu como uma questão de considerável incerteza se a criança sobreviveria para sustentar até mesmo um nome. Neste caso, seria mais do que provável que essas memórias não apareceriam nunca; ou, se aparecessem, estando contidas em um par de páginas, elas ostentariam o mérito inestimável de ser a espécie de biografia mais concisa e fiel a perdurar na literatura de qualquer tempo ou país.


Embora eu não esteja disposto a sustentar que ter nascido num abrigo é em si mesmo a circunstância mais afortunada e invejável que possa acontecer a um ser humano, devo dizer que nesse caso particular isso foi a melhor coisa que poderia ter ocorrido a Oliver Twist. O fato é que houve dificuldade considerável em induzir Oliver a assumir por si mesmo o ofício da respiração – uma prática complicada, mas cujo costume se revelou necessário para nossa existência tranqüila; e por um tempo ele ofegava sobre um punhado de mantas, ou melhor, postava-se desigualmente entre este mundo e o próximo, sendo que a balança estava decididamente pendendo para o próximo. Agora, se durante esse breve período Oliver tivesse estado entre vovós cuidadosas, tias ansiosas, enfermeiras experientes e médicos profundamente sábios, ele teria morrido em pouco tempo, inevitavelmente. Havendo ninguém senão uma velha mulher miserável, nebulosa graças a uma quantidade indesejável de cerveja, e um cirurgião da paróquia que lida com coisas tais por contrato, Oliver e a Natureza lutaram entre si. O resultado foi que após algumas brigas Oliver respirou, bocejou e prosseguiu advertindo aos colegas do abrigo o acontecimento de que um novo fardo foi imposto à paróquia, liberando um choro tão alto quanto poderia ser, nas medidas do racional, esperado de um menino que não havia sido dotado daquele apêndice muito útil, a voz, antes desse lapso temporal de três minutos e um quarto.


À medida que Oliver dava essa primeira prova de ação livre e adequada de seus pulmões, a colcha de retalhos que estava descuidadamente jogada sobre o estrado de ferro da cama ia farfalhando; então a face pálida de uma jovem ergueu-se do travesseiro preguiçosamente, e uma voz fraca articulou de modo imperfeito as palavrasMe deixe ver a criança. E morrer’.


O médico estava sentado com o rosto voltado ao fogo, dando à palma de suas mãos alternativamente o calor do fogo e uma esfregada. Quando a jovem falou, ele se levantou, e indo até a cabeceira da cama disse, mais gentilmente do que se poderia esperar:


“Ah, você não fale em morte ainda”.


Que Deus guarde ela! Não fale não!” interpôs a enfermeira, depositando prestamente no seu bolso uma garrafa de vidro verde, cujo conteúdo ela esteve saboreando com evidente satisfação a um canto. “Que Deus guarde ela! Quando ela ter vivido tanto quanto eu, senhor, e tido seus próprios treze filhos, e todos eles morrido, tirando dois aqui no asilo comigo, ela vai saber melhor do agora que fala assim. Que Deus guarde ela! Pense o que é ser mãe, aqui tá o menininho, pense.”


Aparentemente, essa animadora perspectiva dum futuro maternal não deu conta de produzir o efeito devido. A paciente meneou a cabeça e estendeu seus braços ao filho.


O cirurgião o depositou em suas mãos. Ela pressionou os lábios brancos e frios contra sua testa; passou as mãos no rosto; perscrutou agrestemente o lugar; arrepiou-se; caiu para trás... E morreu. Esfregaram seu peito, mãos e têmpora para aquecê-los, mas o sangue parou para sempre. Falaram de esperança e descanso. Eram desconhecidos por tempo demais.


“Acabou, Senhora Qualquercoisa[1] – disse enfim o cirurgião.


“Ah, coitada, então é isso” – disse a enfermeira, recolhendo a rolha da garrafa verde que havia caído no travesseiro quando se inclinou para pegar a criança. “Coitada!”


Não precisa me chamar se o menino chorar, enfermeira” – disse o cirurgião, calçando as luvas decididamente. “Provavelmente ele vai ser incômodo. pra ele um pouco de mingau nesse caso.” Colocou o chapéu e, detendo-se ao lado da cama ao sair, acrescentou, “ela era bonita também; de onde ela veio?”

“Foi trazida aqui ontem à noite” - respondeu a velha - “por ordem do inspetor. Foi achada chorando na rua. Caminhou um bocado, pois os sapatos tavam aos pedaços; mas de onde veio ou para onde ia, quem sabe?”


O cirurgião se inclinou sobre seu corpo e ergueu sua mão esquerda. “A velha ladainha – disse balançando a cabeçasem aliança, veja. Bem, boa noite!”

O médico foi embora para o jantar; e a enfermeira, tendo mais uma vez se dedicado à garrafa verde, sentou numa cadeira baixa perto do fogo, e passou a vestir o infante.


Que excelente exemplo do poder das vestes era Oliver Twist! Assim embrulhado na manta que até agora foi sua única coberta ele poderia ter sido o filho de um fidalgo ou de um mendigo; seria difícil até para o estranho mais orgulhoso assinalar-lhe seu real status na sociedade. Mas agora que estava envelopado numa roupa de chita que amareleceu de tanto prestar o mesmo serviço, ele foi rotulado e etiquetado, e foi posto no seu lugar de uma vez – o de filho da paróquia; o de órfão num abrigo; o de humilde; o de lúmpen esfomeado – para ser algemado e maltratado por , desprezado por todos e sem inspirar compaixão a ninguém.


Oliver chorava com força. Se ele então pudesse saber que era um órfão, abandonado aos favores de sacristões e de inspetores, talvez chorasse ainda mais forte.



[1] Mts. Thingummy, literalmente “Coisapegajosa”, utilizado pejorativamente para um qualquer, cujo nome não se sabe.
Por sugestão do Anderson, aqui tem um link para a versão original da obra.



quarta-feira, janeiro 13, 2010

As fotos

só que a vida foi-se
de perder a pose

é que a vida passa
e a pose era farsa

terça-feira, janeiro 12, 2010

Em 2010

Aos Gorilas

Cadáveres vos velam
Em vossos caixões de costumes