terça-feira, setembro 30, 2008

Elogio fúnebre

Eles, dos altos cumes habitantes,
De indivisos reinos, sentados, mandam,
Em tronos perenes, os imortais,
Nos mortais destinos insuperáveis.

Eles, deuses cujo ânimo em fuga
Não se flagra, imorríveis ditaram
Ser um mal morrer; e dentre os que caem
Não se contarão os que néctar bebem.

Cais tu, ao negar os verdes viçosos
De tipos vários, sob a vária luz
Do sol ou o halo ladino da luz
Da lua, de teus interditos olhos.

Cais tu, pagã ambrosia que hei comido,
Que de mim um deus não houve fazer,
Senão fazer de ti mesma senhora
Cruel de mim, por mim bem querida.

Uma a outra, vós vos buscáveis céleres.
Da morte não digo: quem não te quer?
Mas haver tu a ela desejado
Em noturno pranto, que deus explica?

Uma a outra, das falésias ao choque
Fúnebre, no mar te esperava a amiga,
No mar que pranteava sais amaros,
Cujo marejo era o chorar da morte.

Revoltos, o cimo buscando, os fios
Resistiam negros à rubra queda,
Assim também a amena branca roupa,
Que violenta a vertigem arrastava.

Revoltos, meus corações, os tivessem,
Te os braços estenderiam, mil deles,
Fossem o quanto fossem as medidas
Para do mar evitar a acolhida.

Cruel, eu amava a ti chorando e rindo,
Mas a rir o pontiagudo ruído
- ao ventre meu – dos teus quietos lamentos
Tu, cruel, tu sem porquês preferias.

Cruel, a vida toda pranteada,
Pedira-me lividez pr’esta hora;
Mas chora o mar, e até a morte chora,
Que alívio tenho onde me o pranto toma?

sexta-feira, setembro 26, 2008

The Dandy Warhols

Até que há letras muito boas no mundo da música pop!

Nietzsche
por The Dandy Warhols

I want a god who stays dead
not plays dead
I, even I, can play dead

(Ainda preciso verificar se isso não é uma tradução de algum poema do Nietzsche, mas a princípio a letra é do Dandy Warhols mesmo).

quinta-feira, setembro 25, 2008

o tempo passa, o tempo voa

Por muito que ande
Por muito que corra

Passa como quem fica
Não decola, mas voa

Aula de silogismo metautopoiético

Todos os homens não são nada.
Eu não sou nada.
Logo, eu sou Fernando Pessoa.

domingo, setembro 21, 2008

Quero matar o mundo

Quero matar o mundo,
isso que se chama mundo,
pra morrer, na matança,
e renascer desde criança.

Mas não vir assim jogado
num mundo feito, já criado.
Mas como um deus renascer
no vão do nada, silêncio do ser.

Então criarei tudo de novo:
Lixo, sujeiras, pessoas, povo.
Não teremos, porém, reggae e maçãs
e pra Bukowski não haverá fãs.

Cachorro Grande não poderá gravar,
nem Pollock terá mãos para pintar.
E ninguém há de morrer de tiques
quando eu falar mal dos beatniks...

Sendo um deus modesto feliz serei:
Não quero um mundo de rei,
assim perfeito, todo Rolling Stones,
somente um que não me faça ouvir Ramones.

sábado, setembro 20, 2008

Odisséia, livro vigésimo-terceiro

'Acorda, Penélope, filhinha querida. Confere com
os teus próprios olhos. O que desejavas aconteceu.
Teu marido voltou. Está lá embaixo. Antes tarde
do que nunca. Os safados estão mortos. Os que
saqueavam tua casa, devoravam tudo, ameaçavam
teu filho não existem mais" [...]
Odisséia, XXIII, 5-10, Trad. Donaldo Schüler


Odisea, libro vigésimo tercero
por Jorge Luis Borges

Ya la espada de hierro ha ejecutado
La debida labor de la venganza;
Ya los ásperos dardos y la lanza
La sangre del perverso han prodigado.

A despecho de un dios y de sus mares
A su reino y a su reina ha vuelto Ulises,
A despecho de un dios y de sus grises
Vientos y del estrépito de Ares.

Ya en el amor del compartido lecho
Duerme la clara reina sobre el pecho
De su rey pero ¿dónde está aquel hombre

Que en los días y en las noches del destierro
Erraba por el mundo como un perro
Y decía que Nadie era su nombre?

***
Odisséia, livro vigésimo terceiro
tradução por Leonor Scliar-Cabral

Já as espadas de ferro executaram
O devido trabalho da vingança;
Já os dardos mais ásperos e a lança
O sangue do perverso prodigaram.

A despeito de um deus, dos mares seus,
Volta ao reino e à rainha o intrépido
Ulisses, a despeito do estrépito
De Ares, dos ventos grises e de um deus.

Já no amor do compartilhado leito
Dorme a insigne rainha sobre o peito
De seu rei, onde está o homem, porém,

Que nos dias e noites pelo mundo
Errava proscrito, cão vagabundo,
Dizendo que seu nome era Ninguém?
***
Fantástico.

domingo, setembro 14, 2008

Manchetes que eu ainda verei escritas

INDÚSTRIAS MULTINACIONAIS TRIPLICAM LUCRO EM 2008
Aumento se deve à política de renúncia fiscal e grande oferta de crédito pelo Governo Federal. Segundo presidente da FIEP, não houve o correspondente incremento de culpa.
.
Inspirada na manchete da 1ª página da Gazeta do Povo de hoje: "Sem terra vira patrão e lucra sem culpa no oeste do Estado".
.
Só podem estar brincando!

quarta-feira, setembro 10, 2008

Circunstâncias

Aquele que sempre julgou
a mim, que fui sempre julgado,
julga-me outra vez, e de novo
julgará, agora me o dedo
apontando, por ter um dia
também, mortal que sou, julgado.

terça-feira, setembro 09, 2008

Declaração da Pobreza

Declaro
para todos os fins
que já os vivi todos
e o melhor deles
é o fim da picada.

E por ser expressão
fiel da verdade
não situo nem dato.
Sou maior que o tempo,
sou maior que o espaço.

segunda-feira, setembro 08, 2008

Boca

que perverte tudo.
E depois chupa sorvete
e depois fala
do tempo
do amor
do jogo
do dia
em que vai ser rica
em que vai ser livre
em que vai ao médico
em que vai fechar
e começar o regime.

Mas a segunda-feira não chega
o estetoscópio não basta
a loteria acumula
a lei d'ouro não vem
e é ainda uma boca
e é ainda escondida
no dia após dia
e é ainda uma voz
que fala e se cala
e se finge paisagem
e ainda é uma boca
não passa de boca
não passa de nada
não mais - coitada! -
que o mundo invertido
no ilógico espelho
que o velho destroça
e o sentido suspende.
Boca, não boca,
porque todos têm.
Boca, não boca,
porque a tua não têm.
Boca, só boca,
fingindo o só.
Boca, tão boca,
pãozinho de ló.

sexta-feira, setembro 05, 2008

Mundo das cóisas

Caiu o acento da ideia
diz a nova ortografia.
Tropeçou ou desceu dos céus
e ao mundo das coisas se filia.

Platão, que de português
sequer ideia fazia,
do acento fez caso pouco:
-Bah! Isso nem é filosofia!

Em polvorosa, no entanto,
está a elite do Brasil:
o que era pouca o acento perdeu!

Agora o acento é mundano
e a ideia sem destaque;
da esquecida então dirão: morreu!