Quando os espanhóis perguntavam aos índios se eram cristãos, o índio respondia: 'Sim, senhor, já sou um pouco cristão, pois já sei mentir um pouco; um dia saberei mentir muito e serei muito cristão'.
Refletindo, obviamente, o mito do bon sauvage, Las Casas não revela nada sobre os índios. Apenas sua situação marginalizada é que nos permite pensar que não havia mentira entre eles - é tolo pensar no índio como o homem bom. Não creio ser o caso. Como diz Todorov: "não podemos conceber uma linguagem sem a possibilidade da mentira, assim como não há palavra que ignore as metáforas. Mas uma sociedade pode favorecer, ou, ao contrário, desencorajar completamente toda palavra que, em vez de descrever fielmente as coisas preocupa-se principalmente com seu efeito, e desconsidera, pois, a dimensão da verdade". Las Casas revela, isso sim, algo sobre os cristãos e sobre a racionalidade renascentista: o cristão, ao aplicar a razão no lugar da tradição para justificar a crença, torna-se fluido, adapta-se às circunstâncias conforme as conveniências a fim de que Deus esteja, ao fim e ao cabo, na retaguarda de suas ações - a retórica do padre Vieira, na sua inigualável beleza com efeitos muito bem sucedidos, é um bom exemplo disso. Muito semelhante ao proceder político em que a verdade factual é o menos importante: fiat iustitia, et pereat mundus... Mundo, no caso, como habitação ou familiaridade do ser-aí, que no conflito, na assimetria com o outro (o espanhol contra o mexicano) significa aniquilação. Para não perecer o mundo, este mundo, esqueça-se a justiça, mas lembre-se de Deus. Sua graça suprema e verdade infinita nos fundamenta e legitima.
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