domingo, junho 22, 2008

Artigo Primeiro

As-Pessoas me disse que o céu era azul. Saí e vi o céu.
- Tens razão, o céu é azul.
As-Pessoas riu.
-Não, não, O-Ser. Agora o céu está cinza, não vês que as nuvens o cobrem?
-Aquilo são nuvens?
-Uhum.

[A positividade do direito passou a ser sinônimo de de certeza e segurança...]

E como eu quisesse dormir, As-Pessoas me levou à cama.
-Te cubras, eis que está frio.
E acomodei-me por sobre o cobertor macio.
-Não te cobres?
-Como não?
-Estás sobre a coberta.
-Acaso não estava o céu sobre as nuvens e estas não o cobriam? Não está o cobertor precisamente sob mim?

[Uma árvore cai na Amazônia e disso não se tem notícia. Para o direito, não se trata de um fato, simplesmente não ocorreu.]

As-Pessoas de novo riu.
-Eita, O-Ser! Tu tens idéias absurdas e inúteis. Cobrir é esconder-se. Esconda-te sob o cobertor como o céu se esconde além das nuvens.
-E isso me protegerá do frio?
-A ti sim. Ao céu não, que céu não sente frio.

[Artigo primeiro. O céu é azul
Artigo segundo. Toda rosa é rosa porque assim ela é chamada]

As-Pessoas saiu rindo. As-Pessoas sempre me ridicularizou. Eu tive medo.
-O que você quer ser quando crescer, O-Ser?
-Quero ser como As-Pessoas.
Foi o único momento em que As-Pessoas me deu razão. Senti-me bem com isso.

[Condeno tal com fundamento no artigo tal, parágrafo tal, inciso tal, alínea tal da lei tal.]

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