quinta-feira, dezembro 02, 2010

Pondera

Pondera o que nos falta:
ponte no oceano
túnel na estratosfera
usina termoelétrica no inferno
que faça útil essa quimera

Amor

como se
ainda hoje
a maçã pairasse
(e acima da maçã
o talo desertado ainda
nem se desse por rompido)
sobre a física de sonho
de sir Isaac Newton
para que jamais
falássemos de
gravidade

terça-feira, novembro 23, 2010

Le tombeau d'Edgar Poe, de Mallarmé (primeira versão)

Tel qu'en lui-même enfin l'éternité le change
Le poëte suscite avec un hymne nu
Son siècle épouvanté de n'avoir pas connu
Que la mort s'exaltait dans cette voix étrange.

Mais, comme un vil tressaut d'hydre, oyant jadis l'ange
Donner un sens trop pur aux mots de la tribu,
Tous pensèrent entre eux le sortilège bu
Chez le flot sans honneur de quelque noir mélange.

Du sol et de l'éther hostiles, ô grief!
Si mon idée avec ne sculpte un bas-relief
Dont la tombe de Poe éblouissante s'orne,

Sombre bloc à jamais chu d'un désastre obscur,
Que ce granit du moins montre à jamais sa borne
Aux vieux vols de blasphème épars dans le futur.

[Tanto quanto em si mesmo a eternidade enfim o muda/O poeta suscita com um hino nu/Seu século aterrorizado por não ter sabido/Que a morte se exaltava nessa voz estranha.//Mas, como um tremor de hidra, ouvindo certa vez o anjo/Dar um sentido bastante puro às palavras da tribo,/Todos pensaram entre si em algum feitiço bebido/no fluido desonrado de alguma mistura negra.//Do solo e do éter hostis, ó penas!/Se minha ideia não esculpe um baixo-relevo/Com o qual se orne a tumba ofuscante de Poe,//Bloco sombrio para sempre caído de um desastre obscuro,/Que este granito ao menos mostre para sempre seu marco/Aos velhos vôos de blasfêmia espalhados no futuro] 

segunda-feira, novembro 22, 2010

Sonhadas

Sonhei: um livro me escrevia
caudaloso me citava
escandaloso me deixava
em branco no pé da página.

Sonhei: admito que sonhava
completamente referido
sonhei que virava livro
de verdades deslavadas.

domingo, novembro 14, 2010

Platão, Epigrama VII

Μλον γώ, βάλλει με φιλν σέ τις· λλ' πίνευσον,
 Ξανθίππη· κἀγὼ καὶ σὺ μαραινόμεθα.


Sou uma maçã, e lanço-me ao teu beijo. Diz sim, 
Xantipa: também tu e eu perecemos.

sábado, novembro 13, 2010

Arquíloco, Fragmento 19

οὔ μοι τὰ Γύγεω τοῦ πολυχρύσου μέλει,
οὐδ' εἷλέ πώ με ζῆλος, οὐδ' ἀγαίομαι
θεῶν ἔργα, μεγάλης δ' οὐκ ἐρέω τυραννίδος·
ἀπόπροθεν γάρ ἐστιν ὀφθαλμῶν ἐμῶν.
pouco se me dá o ouro
de Giges Cheiodouro
não envergo por aí o olho gordo
não invejo os feitos dos Altíssimos
nem me boquiabre o V. Excelência
de um homem poderoso:
tão longe estão do horizonte de meus olhos

quinta-feira, novembro 11, 2010

Epigrama

Caminhante: esse ar plebeu
cede à decisão de teu passo
lâmina e habita os confins
de tua iniciativa. Ouve,

porém, minha lápide guia:
por aí, na cortina que
recua à tua tirania,
te contempla, manso mas vivo,

o teu último suspiro.

domingo, novembro 07, 2010

meu tempo

cidade
vão dos edifícios

sobem ingentes as risadas
de homens ingentes

tempo

uma criança
joga damas
com peças
intragáveis

segunda-feira, outubro 25, 2010

poéticas

encontrar entre as paredes
uma palavra de barro
entre as ruas uma frase
de asfalto entre as bocas
um desumano jardim

nos urbanos marfins
a letra dental sobre
os ortos e certos
em vulgar pedestal
de barro asfalto e concreto

quinta-feira, outubro 14, 2010

This is just to say

Poema de William Carlos William, traduzido por mim.

Justo por dizer

Eu comi
aquelas ameixas
que estavam
na geladeira

e que você
provavelmente estava
guardando
para o café

Desculpa
elas eram deliciosas
doces assim
e tão frias


terça-feira, setembro 21, 2010

Pressentimento

Isso.

(o núncio do anúncio:
fim no dia já hoje
sentido: sinto
falta de isso)

sábado, setembro 18, 2010

Contra a poesia

Resto de janta abaianada.
João Cabral de Melo Neto

Tudo é moldura e cobertura,
luta injusta contra a revolta
de um nada feito da poeira
ínfera de realidade.

(Não melenas, o livro escrito,
a prenhez do gênio que pinta,
mas a abortada folha branca
sob a madeixa - pluma e cera.)

Ardil materno da semente:
desertos vigem na raiz
de tela calva que aferra a tinta
à feliz folhagem, e erosiva.

sexta-feira, setembro 10, 2010

Pensées de Pascal - II. O pacote "Vanité" - fragmento 11

Dois rostos semelhantes, dos quais nenhum faz rir em particular, fazem rir juntos por sua semelhança.

quarta-feira, setembro 08, 2010

Pensées de Pascal - I. O pacote "Ordre": fragmento 1

Tradução minha

Os salmos cantados por toda a terra.
Quem dá testemunho de Maomé? ele mesmo. Jesus Cristo quer que seu testemunho não seja nada.
A condição de testemunhas faz ser necessário que elas sejam para sempre e por toda parte, e, miserável, ele está só.

terça-feira, agosto 24, 2010

Chacun sa Chimère

l'irrésistible Indifférence
Baudelaire

sob a cúpula spleenética do céu
também me fui com minha Quimera

que jamais vi com estes olhos
nos fortuitos espelhos d'água:

não reconheci, se foi um Sonho,
sobre o desolado solo deste sono

sexta-feira, agosto 06, 2010

Sobre o direito, os advogados e os juízes, por Jonathan Swift

Tenho lido, com alguma demora para melhorar meu inglês, o livro Gulliver's Travels, de Jonathan Swift. O livro pode ser lido sob duas perspectivas principais: a primeira é a daquele que parte do desenho da Disney, procurando um livro de aventuras marítimas. Nesse ponto, o livro é no máximo agradável, mas nada muito surpreendente; a menos não para nós, que na era do cinema e da animação já presenciamos aventuras as mais fascinantes. Até porque o livro é um festival de dii ex machina, o que se justifica na segunda perspectiva. Esta, que leva em consideração que Swift pretendeu realizar uma obra satírica que ri tanto das narrativas de viagens marítimas exageradas que abundavam no século XVIII quanto da própria condição humana do homem europeu na política moderna, torna o livro uma peça rara. Todos os males da política ocidental são relatadas por Gulliver, o narrador, do modo mais circunstancial; quero dizer, os escândalos, já que tão recorrentes no cotidiano político e social ocidental, são relatados como naturais ao homem de razão. Assim, Gulliver fala para os povos que visita, sem atribuir-lhes a menor gravidade, de corrupções, de invenções de guerra (pólvora e armas em geral), da matança bélica, da mentira, de leviandades, da nobreza suja, do jogo, da prostituição. (Sim, a sátira, desde pelo menos Aristófanes é um negócio bem moralista). Se os habitantes desses diferentes e desconhecidos países estranham como Gulliver chama tais coisas de 'wonders of Europe', nosso viajante põe tal opinião na conta de sua ignorância e de seu atraso. Veja-se, por exemplo, o trecho que traduzo abaixo, porque ler em inglês me dá uma baita vontade de traduzir. Ele é retirado do capítulo 5 da quarta parte, a parte em que Gulliver conhece a terra dos Houyhnhnms (leia-o como estivesse relinchando), cavalos racionais e falantes, que vivem em uma comunidade pacífica e contida em suas paixões. Ao fundo do escrito, vê-se uma concepção bastante liberal do direito, calcada na propriedade, como esperaríamos de uma mente liberal da Grã-Bretanha do início do século XVIII. O conflito que ele estabelece se dá justamente por esse fundamento jurídico, uma e outra parte reivindicando justamente a propriedade. Não obstante, importa aqui ver como desde os apologistas antigos o direito é visto como um serviço de retórica para provar o falso, sendo a verdade que lhe é oposta tida como correspondência platônica, não o desencobrimento do ser, diria Heidegger. Importa, portanto, como mostrou Todorov ao analisar a Conquista da América, tentando assumir o ponto de vista indígena, mostrar como a mentira - "the thing which was not", segundo os Houyhnhnms, na falta de palavras para designá-la - não é conceito universalizável, e, deste modo, a verdade que lhe corresponde tampouco o é. O segundo ponto que me interessa no trecho é a existência de uma justiça comum em oposição à justiça técnica, o que evidencia que a justiça é antes um tema político que de experts e que a técnica está subordinada a algum ato originário, uma violência arbitrariamente consensual como fundamento primevo e recalcado do direito, e que dentre outras funções tem a de separar o cidadão da verdade de sua causa, de sua possibilidade de desencobri-la, descobri-la, argui-la; enfim, dizê-la ("é contra todas as regras das leis que se permita a qualquer homem que ele fale por si mesmo"):

Ele [o mestre de Gulliver dentre os Houyhnhnms] acrescentou que ouvira demais sobre o assunto da guerra, tanto nesta quanto em algumas conversas anteriores. Naquele momento, havia outro ponto que o deixava perplexo. Eu tinha dito que alguns de nossos tripulantes deixaram seu país por terem sido arruinados pela "lei". Que eu já havia explicado o significado da palavra, mas ele não entendeu como ocorria que a lei, que era feita para a preservação de todo homem, pudesse ser a ruína de alguém. Então ele quis mais satisfações quanto ao que eu quis dizer por "lei" e seus operadores, de acordo com a presente prática no meu país. Porque ele pensava que a natureza e a razão eram guias suficientes para um animal racional, como pretendíamos ser, mostrando-nos o que nós devemos fazer e o que evitar.

Assegurei a Sua Reverência que a lei era uma ciência com a qual não tive muito contato, senão pela contratação, em vão, de advogados para uma questão envolvendo algumas injustiças que me foram feitas. Mesmo assim, eu lhe daria toda as informações de que eu tinha conhecimento.

Disse que havia uma sociedade de homens entre nós criados desde sua juventude na arte de provar por meio das palavras (palavras essas multiplicadas em seu propósito) que branco era preto e preto era branco, de acordo com o que eram pagos. Para essa sociedade, todas as pessoas eram escravas.

Por exemplo: se meu vizinho se interessar pela minha vaca, ele contrata um advogado para provar que ele deve tomar a vaca de mim. E eu devo então contratar outro para defender meu direito, uma vez que é contra todas as regras das leis que se permita a qualquer homem que ele fale por si mesmo. Agora, neste caso, eu, que sou o verdadeiro proprietário, tenho duas grandes desvantagens. Primeiro, meu advogado, sendo experto quase desde o berço em defender a falsidade, está bastante fora de seu lugar quando deve advogar do lado da justiça, coisa que - como um ofício inatural - ele sempre tenta com grande embaraço, senão com má-vontade. A segunda desvantagem é que meu procurador deve proceder com grande cautela, ou então será repreendido pelos juízes e abominado por seus confrades como aquele que enfraquece a prática do direito. Em sendo assim, eu tenho apenas dois métodos para preservar minha vaca. O primeiro é conquistar o procurador de meu adversário com duplos honorários - o qual então irá trair seu cliente insinuando que a justiça está do seu lado. O segundo caminho é fazer meu procurador aparentar a minha causa como a mais injusta possível, concedendo que a vaca pertence ao meu adversário - e isso, se feito com habilidade, certamente me atrairá o favor do tribunal.

Agora, Sua Reverência deve saber que esses juízes são pessoas designadas a decidir todas as controvérsias sobre a propriedade, bem como o processamento dos criminosos, e são escolhidas dentre os mais habilidosos advogados que vão envelhecendo ou tornando-se preguiçosos; e, tendo eles baseado as suas vidas contra a verdade e a equidade, têm tamanha e fatal necessidade de favorecer a fraude, o perjúrio e a opressão que eu soube que alguns deles preferiram recusar um belo suborno vindo do lado onde estava a justiça a injuriar sua competência, realizando qualquer coisa que fosse contra a natureza de seu ofício.

É uma máxima, entre esses advogados, que o que quer que tenha sido feito antes seja feito novamente. E assim eles tomam o especial cuidado de registrar todas as decisões formalmente feitas contra a justiça comum e a razão geral da humanidade. Essas decisões, sob o nome de "precedentes", eles produzem como autoridades para justificar as opiniões mais iníquas - e os juízes nunca falham em segui-las.

Em juízo, eles calculadamente evitam entrar no mérito da causa, mas são sonoros, violentos e cansativos ao lidar com todas as circunstâncias que não se ligam ao pedido. Por exemplo, no caso já mencionado, eles nunca querem saber que direito ou título meu adversário tem sobre a minha vaca, mas se a dita vaca era vermelha ou preta, seus chifres longos ou curtos, se o campo em que eu lhe dava de pastar era redondo ou quadrado, se ela era ordenhada na estrebaria ou ao ar livre, a quais doenças ela estava sujeita, e assim por diante. Depois do que eles consultam os precedentes, suspendem a causa de tempos em tempos, e em dez, doze ou trinta anos chegam a algum resultado.

Deve-se igualmente ser observado que essa sociedade tem um calão peculiar e um jargão próprio que nenhum outro mortal pode entender e no qual todas as leis são escritas, as quais eles têm o especial cuidado de multiplicar; de sorte que eles confundiram completamente a essência mesma da verdade e da falsidade, do certo e do errado. Disso resulta que passarão trinta anos para decidir se o campo, legado pelos meus ancestrais por seis gerações, pertencem a mim ou a estranhos a trezentas milhas de distância.

No processamento de pessoas acusadas por crimes contra o estado, o procedimento é mais curto e elogiável. O juiz primeiro manda ouvir a inclinação daqueles que estão no poder, e então ele pode tranquilamente enforcar ou salvar o criminoso, preservando de modo estrito as formas da lei.

Aqui, meu mestre, interpondo-se, disse que era uma pena que criaturas dotadas de tão prodigiosas habilidades mentais - como tais advogados deviam ser, pela descrição que deles dei -, não eram ao contrário encorajadas a ser preceptoras dos outros na sabedoria e no conhecimento. Em resposta, assegurei a Sua Reverência que em todos os aspectos de seu próprio ofício eles usualmente eram a geração mais ignorante e estúpida entre nós, a mais desprezível na conversação comum, inimigos anunciados de todo conhecimento e ciência, e igualmente dispostos a perverter a razão geral da humanidade em qualquer outro tópico do discurso como em sua própria profissão.

domingo, agosto 01, 2010

Jonathan Swift, inventor do dadaísmo

Trecho extraído do Capítulo 5 da terceira parte das Viagens de Gulliver. Tradução minha.


Nós atravessamos a rua rumo à outra parte da academia, onde - como eu havia dito - os projetistas em ciência especulativa residiam.

Vi o primeiro professor numa sala bastante grande, quarenta pupilos consigo. Após os cumprimentos, ao notar que eu examinava gravemente uma estrutura que tomava a maior parte da sala, tanto no comprimento quanto na largura, ele disse que talvez eu quisesse testemunhá-lo envolvido num projeto destinado ao aumento do conhecimento especulativo através de operações mecânicas e práticas. Mas o mundo logo seria sensível a sua utilidade, e ele persuadiu-se a si mesmo dizendo que o mais nobre e exaltado pensamento nunca recuaria diante de nenhuma outra mente humana. Todos sabiam quão laborioso era o método convencional de alcançar a arte e as ciências, enquanto que pelo seu engenho a pessoa mais ignorante, com um esforço razoável e pouco trabalho braçal, poderia escrever livros de filosofia, poesia, política, direito, matemática e teologia sem a menor ajuda do gênio ou do estudo. Ele então me levou àquela estrutura, em cujos lados todos seus pupilos se alinharam. Tinha vinte pés quadrados, colocada no meio da sala. As superfícies eram compostas de inúmeros pedaços de madeira, com o tamanho aproximado de um dado, algo maiores. Eles estavam todos ligados por delgados cabos. Esses pedaços de madeira eram cobertos em cada lado com papel colado, e nesses papéis estavam escritas todas as palavras da sua língua. O professor então quis que eu observasse, pois ele ia botar sua engenhoca para trabalhar. Os pupilos, ao seu comando, seguraram cada um uma alavanca de ferro, havendo quarenta delas fixadas em torno das extremidades da estrutura, e dando a elas uma repentina puxada toda a disposição de palavras foi inteiramente modificada. Ele então ordenou que trinta e seis de seus rapazes lessem as inúmeras linhas suavemente na ordem em que elas apareciam sobre a estrutura; e onde eles achavam três ou quatro palavras juntas que pudessem formar parte de uma sentença, eles ditavam aos quatro meninos restantes, que eram escribas. Esse trabalho se repetia três ou quatro vezes, e em cada vez a engenhoca estava projetada para que as palavras alternassem os lugares à medida que os pedaços quadrados de madeira se moviam de cima para baixo.

Seis horas por dia os jovens estudantes se dedicavam a esse trabalho, e o professor me mostrou vários volumes em gran fólio com as sentenças parciais já coletadas, as quais ele tencionava juntar e dar ao mundo, a partir desses ricos substratos, um corpo completo de todas as artes e ciências, que no entanto poderiam ainda ser aperfeiçoadas e mais desembaraçadas se o público levantasse um fundo destinado à construção e ao emprego de quinhentas dessas estruturas em Lagado e obrigasse os usuários a contribuir com várias coleções em comum.

Ele me assegurou que essa invenção ocupou todo o seu pensamento desde sua juventude; que ele esvaziou todo o vocabulário nessa estrutura e fez o cálculo mais rigoroso da proporção geral que há nos livros entre os números de partículas, nomes e verbos, além de outras partes do discurso.

Eu dei meus mais humildes agradecimentos a esta pessoa ilustre por sua grande comunicabilidade, e prometi que se eu tivesse a boa sorte de retornar ao meu país lhe faria justiça como o único inventor dessa máquina maravilhosa - cuja forma e o projeto eu gostaria, com sua licença, de delinear no papel, como na figura aqui anexada. Disse-lhe que embora fosse o costume dos nossos estudiosos na Europa roubar invenções um do outro - quem por isso teria pelo menos essa vantagem: a de que se tornava uma controvérsia quem era o justo proprietário - ainda assim eu tomaria tantos cuidados que ele teria toda a honra sem qualquer rival.

Anistiadas

Num porão a carne
macetada não diz
nem oculta, encarna
a história, significa

a tortura, fossiliza
a derrota. Num fórum
o juiz cordial
não pune nem julga,

segue a praxe de
estilo, saca o código
de plásticas, pinta
a carne de oblívio.

O acaso


αἰὼν παῖς ἐστι παίζων, πεσσεύων· 
παιδὸς 
ἡ βασιληίη


("O tempo é uma criança que brinca, jogando damas.
Da criança é o reino.")
Heráclito

"ó acaso, vespa
oculta nas vagas
dobras da alva
distração"
João Cabral de Melo Neto


existe além de tudo
o acaso
exercício de uma criança
que joga damas

uma criança:
- desafio de homem;
- tempo dos distraídos
despossíveis no mar de dados

o dado:
posto que "tido por"
(desmemória de coisa)
não tem lados

tem acasos.
evidentes impensados
na desluz do homem
desafiado

quinta-feira, julho 22, 2010

Visões do Processo no século XX: Leopold Bloom no Rol dos Culpados

A propósito do 15º episódio de Ulisses, de James Joyce. Aquele que, na 1ª edição, quando os episódios tinham títulos homéricos, fora alcunhado de Circe.
Citações conforme a tradução de Caetano Galindo, ainda inédita.

Para mim, Ulisses de James Joyce é uma obra realista, e num dos mais altos graus. Sim, uma obra que conserva o caráter de um acontecimento da (vamos dizê-la) posmodernidade não deixa de ser realista por não pertencer à escola novecentista. Seu realismo é o do século XX, e não o do século XIX, este marcado pelo determinismo e pelo psicologismo explícito. Não poderíamos, no entanto, ao negar-lhe o realismo, classificar de fantasia uma obra tão cotidiana, com puns e cocôs; com cornos e problemas financeiros; com referências a Tomás de Aquino e a Shakespeare; e, principalmente, com fantasmas.

Alto lá! Uma visão superficial do realismo impugnaria desde já a presença dos fantasmas. Afinal, o que há de real nas aparições fantasmagóricas? Nada, se se procurar nelas alguma realidade dura, empírica, verificável e mensurável em tubos de ensaio; mas talvez não há o que seja mais real no ser humano, pelo menos em seus efeitos, que fantasmas. Atento a isso, o realismo do século XX soube trazer sob suas asas o governo do inconsciente, do sonho, da memória – essa sempre em alguma medida ficcionalizada – e da parcela incontrolável da própria linguagem do homem; que, sabemos, não é dele: é dos homens.

Por isso o episódio Circe deve ser levado a sério. Não se trata de uma série de brincadeiras ou de fantasmagorias gratuitas, de alucinações sem sentido que devemos atribuir à bebida. As narrativas paralelas entre realidade e imaginação não são distinguíveis estruturalmente no texto, e embora se possam esquematizá-las para estabelecer os fatos ocorridos no episódio, não devem ser de todo separadas na leitura. Além disso, sequer entendemos que as alucinações ocorrem no modo de alucinações, isto é, de realidades não factuais mas experimentadas sensorialmente pelas personagens. Há ainda níveis mais profundos que devem ser clareados. Por ter sido escrito sob a forma do sonho – lembremos que as alucinações em questão são sempre ocorrências estritamente vinculáveis aos acontecimentos do dia narrado no livro, como ocorre com o mecanismo onírico descrito por Freud e lido por Joyce -, mas referidos a personagens despertas, devemos interpretar os fantasmas como realidades do inconsciente, sub-reptícias, inenarráveis, incompreensíveis e irrecuperáveis para os que as experimentam. Bloom não sente medo porque realmente vê, no modo de alucinação, crianças subindo postes ou mulheres guardando portais do inferno; mas porque essas visões são incitadas em seu inconsciente pela forma como absorve a simbologia do lugar escuro, sujo, e cheio de perdição sexual que Bloom frequenta ali. Do mesmo modo, ele não procura a todo momento se desculpar por ser flagrado na zona do meretrício pelas alucinações: o que ele sente é a culpa que lhe inculca o próprio ser. Por isso os fantasmas são reais; não como projeções sensoriais, mas como projeções inconscientes do próprio imaginário sobre a simbologia do ambiente que lhe envolve.

Obviamente, dada a presença constante da fantasmagoria nos nossos processos mentais, caberia a pergunta: por que ser utilizada especificamente neste episódio, não nos demais? Arrisco uma resposta, provisória como todas, para além do álcool tomado no Gado do Sol, o episódio anterior, ou durante o que aconteceu entre aquele e este episódio, o de Circe: justamente porque estamos num ambiente escuro, sujo e cheio de perdição sexual; ambiente esse socialmente recalcado e estigmatizado, que, por sua vez, faz o sujeito se confrontar mais terrível e abertamente com os próprios recalques, ou seja, os ambientes recônditos do seu espírito, onde há escuridão, sujeira e perdição sexual.

E culpa.

Estabelecidos esses pressupostos, gostaria de trazer à baila uma passagem específica das alucinações bloomianas. Aquela em que, sendo flagrado alimentando o cachorro com a comida que havia comprado há pouco, Bloom é submetido a uma corte de justiça em que é acusado de vários outros crimes, como o de ter se limpado ao cagar com o conto de Beaufoy horas antes; ou o caso da empregada que, segundo Molly, ele haveria bolinado, a que se seguem várias outras mulheres possivelmente desejadas por Bloom. No final, a alucinação leva-o à inevitável condenação.

O trecho em questão ocorre ainda no início do episódio, antes da entrada de Bloom no bordel de Bella Cohen. Desde o começo de Circe, Bloom é confrontado com a culpa: um brilho lhe evoca Blazes Boylan; uma figura que lhe fala em gaélico o faz pensar em alguma espionagem dos nacionalistas, de quem já foi vítima no correr do dia; o dinheiro gasto com a comida que daria a Stephen é repreendido pela aparição do pai, sob a figura mais arquetípica do judeu de hábitos financistas (um sábio de Sião...) etc. Até a culpa por não ter ainda pago o sabonete que pegara pela manhã na farmácia o acossa!

Bloom vai percorrendo os fantasmas de culpa a culpa, até finalmente alimentar com o mocotó recém-comprado o cachorro e ser acusado pelos vigias de crueldade contra animais. O que inexoravelmente leva à instauração do tribunal.

E aqui o livro chega a um topos da literatura: o do julgamento. Interessa-nos aqui, sobretudo, as variações do topos no século XX, dentre as quais sobressaem-se duas: a de Josef K., n’O processo de Kafka, e a de Mersault, n’O estrangeiro de Camus. Nessa tríade temos três níveis de julgamento: o imaginário de Bloom; o simbólico de K.; e o real de Mersault. Bloom é julgado pelas culpas inconscientes que carrega consigo; K. por uma estrutura artificial que lhe é externa e ao mesmo tempo lhe determina; Mersault por um assassinato real mas por uma corte que é inacessível à sua palavra. Em comum nos três julgamentos está a culpa pressuposta, anterior ao veredito. Não há, pois, defesa possível. Quando K. tenta realizá-la, o procedimento é desconhecido (como o simbólico que nos determina sem que, na maioria das vezes, tenhamos ciência) e os espaços são claustrofóbicos, os discursos são inexpressivos e a situação aterradora, e isso até o ponto em que se consiga perceber que “[…] no fundo a lei não admitia nenhuma defesa, mas tão-somente a tolerava”. Mersault, assassino verdadeiro, via o processo desenvolver-se como uma mera representação teatral, da qual ele era um espectador: “De algum modo, pareciam tratar deste caso à margem de mim. Tudo se desenrolava sem a minha intervenção. Acertavam o meu destino, sem me pedir a opinião. De vez em quando tinha vontade de interromper todo mundo e dizer: ‘Mas afinal quem é o acusado? É importante ser o acusado. E tenho algo a dizer’”. Aqui o real se revela como aquilo que sobra de todo imaginário e simbólico: mesmo tendo algo a dizer, Mersault não tinha nada. Não havia defesa. E sua culpa veio menos da morte de um estrangeiro qualquer que do relevantíssimo fato de ele não ter chorado no velório da própria mãe. Quase um Stephen Dedalus.

No processo do Bloom, a situação se repete. Com a diferença de que o veredito depende dele mesmo, pois é imaginário. Na primeira vez em que se dirige aos jurados, diz-se um incompreendido, um bode expiatório. Mas o é de si mesmo! O que é dizer que sua culpa já está desde sempre presente, que ela independe do julgamento, de modo que todas as linhas de defesa - sejam as de Bloom, sejam as de seu advogado J.J. O’Molloy - não passaram de fatos que procuram suavizar sua personalidade, uma autojustificação que não justifica nada. Não é à toa que, ao pedir ordem no tribunal, George Fottrell, o juiz imaginário, tanto anuncia que o acusado fará sua declaração como antecipa que esta será fajuta. Na verdade, é tanto fajuta quanto ininteligível.

Nesse passo, o recurso utilizado por James Joyce é o mais significativo possível. Não é dado a Bloom o discurso direto, como predomina no episódio inteiro. Pelo contrário, suas declarações constam de uma rubrica, que as menciona como sendo simplesmente ininteligíveis. Ora, já tivemos um idiota na primeira página do episódio falando ininteligivelmente, e para ele se deu o direito ao discurso direto. Não é este o caso da defesa de Bloom. Porque, a exemplo da situação de K., apenas toleram a sua defesa. E, a exemplo da de Mersault, Bloom tem mas não tem algo a dizer. A rubrica traduz o que ele poderia dizer, aquilo que, bem sopesado, não diz coisa alguma de concreta ou importante, ou pelo menos não ataca a culpa que o acomete, esta também nunca clara. Ao advogado resta bestificar, infantilizar o réu (que assim corresponde), ou pintá-lo com a simbólica e e mais alucinada de todas figura do homem de bem.

Não adianta. A literatura do século XX mostrou o processo como teatro, a justiça como simulacro. Sugestivo, portanto, que o processo em questão seja exposto sob a forma de um roteiro dramático. A culpa do homem, seja a que lhe é atribuída externamente, seja a culpa inconsciente que atormenta Bloom, leva em conta muito menos a verdade fática. A verdade fática não passa de um mero gatilho que a detona, uma desculpa ou oportunidade para se declará-la. A culpa decorre antes de uma ficção do bem e do homem bom, aquele que chora no velório da mãe; aquele que paga o sabonete quando o compra; que não deseja senão a própria esposa e não frequenta os bordéis. Ou, ainda, aquele que não é negro ou misturadinho, que não é imigrante, que não é lombrosianamente predisposto à maldade, fato esse paradoxalmente utilizado pelo advogado para lenificar a culpa de Bloom: “O desvio de comportamento forjado foi fruto de passageira aberração de hereditariedade, causada por alucinação, sendo familiares como a ocorrência legadamente culposa perfeitamente aceitáveis na terra natal de meu cliente, a terra do faraó”.

Já o dissemos: não adianta. Bloom, enfim, julga a si mesmo e se condena, e então procura a execução da pena. A condenação, vimos, é anterior: o processo, como o teatro que é, só existe para dar lugar à sua verbalização. E a execução de uma pena é a forma que encontra para aliviar sua culpa sempiterna. Eis aí uma chave possível para entender o masoquismo que percorre o episódio de Circe, principalmente quando Bloom se faz voyeur do affair entre sua esposa e o amante. Essa expiação é o que lhe permite a expressão de um gozo nesse momento aparentemente inoportuno:


BLOOM

(seus olhos loucamente dilatados, agarra seu próprio corpo) Mostra! Esconde! Mostra! Soca nela! Mais! Manda!

sábado, junho 26, 2010

Pensar a tradução com Schleiermacher, Berman e Venuti




 Para estabelecer o que Schleiermacher, Berman e Venuti tem em comum no que tem a falar sobre tradução e no que representam uma linha mais ou menos partilhada de ruptura com uma visão, digamos, tradicional da tradução, comecemos com Meschonnic: “Par quoi l’étranger n’est pás seulement l’autre, il est aussi l’invisible, l’effaçable effacé. La traduction, dans sa pratique commune, est aussi une effaçante de l’étranger”[1].
                Guardemos aquilo que Meschonnic chama de prática comum da tradução. Mais adiante, no mesmo texto (p. 93), dirá o ensaísta: “Penser, c’est penser l’étranger”. Ora, se a prática comum da tradução procede com um apagamento do estrangeiro e pensar é justamente pensar o estrangeiro, isto é, o que não é familiar, diríamos que Meschonnic atribui à tradução, na sua visão comum, a realização de uma atividade irrefletida, ou que pelo menos parte de um pressuposto não colocado em questão.
                É nesse ponto que os três autores com que trabalhamos confluem. Todos eles propõem um pensar a tradução, não na tradução, conforme a regência mais comum do verbo. Ora, ao tornar direto o objeto do verbo pensar, que normalmente seria indireto, opera-se uma modificação no modo de pensar: quando se pensa na tradução, pensa-se já submerso na consideração comum dessa prática, a de uma “prática puramente intuitiva – meio técnica, meio literária -, não exigindo no fundo nenhuma teoria, nenhuma reflexão específicas”[2]. Ou ainda, como também mostra Berman, submerso na consideração externa à própria prática tradutória, é dizer, ligada a uma teoria linguística ou literária ou crítica. Assim, de novo com Meschonnic, e também com Heidegger, pensar a tradução é perseguir os fundamentos da própria tradução, o que antecede ao já-sabido da tradução: colocá-la em xeque. Em última instância: torná-la estrangeira.
                Esse pensamento é, digamos novamente, comum aos três, em maior ou menor grau. É preciso lembrar, no entanto, que Schleiermacher fala a partir de um período prepositivista, em que o conhecimento e a pesquisa do sujeito universal romântico não exigiam a partição rigorosa dos saberes. Não se exige aí, como Berman procura fazer para a tradução, embora de uma perspectiva interdisciplinar, uma teoria específica da tradução; tanto é que sua reflexão específica se concentra no curto ensaio Sobre os diferentes métodos de traduzir[3]. Schleiermacher reflete sobre a tradução conforme um saber difundido entre os românticos, pelo menos desde Herder e principalmente com Humboldt, sobre o funcionamento da língua na relação entre o sujeito e o espírito histórico. O paradigma de que parte Berman é o próprio dos românticos alemães, mediado principalmente por Benjamin e por Heidegger, em que essa relação é novamente trazida à baila. Por fim, um pouco distanciado dessa linha de continuidade, Venuti[4] põe-se a pensar a tradução sob uma perspectiva ideológica, conforme apreendida de Marx e Althusser. Porém, essa descontinuidade entre Venuti e os demais é aparente: se pensarmos a ideologia como aquilo que subrepticiamente determina a linguagem conforme os arranjos sociais de dominação de classe, nos termos de Volochínov[5], ou ainda como a própria organização da linguagem, não estaremos longe de Schleiermacher e Berman. Isso porque ambos consideram que o arranjo linguístico que herdamos determinam, até certo ponto e tal qual a ideologia, nossa forma de lidar com o mundo – ou seja, o modo como estamos lançados ao mundo, em termos heideggarianos. Diz Schleiermacher: “[...]cada homem está sob o poder da língua que ele fala; ele e seu pensamento são produtos dela. Ele não pode pensar com total determinação nada que esteja fora dos limites da sua língua” (p. 238). Nesse sentido também é que o arranjo, o conjunto, l’essemble de Berman, importam sobremaneira ao conteúdo, ao falar, de modo que cada palavra conta em relação à outra no discurso interno de uma língua ou de um contexto sociolingüístico. Assim é que lemos em Berman: “On ne peut pas dire 'autrement' dans une même langue, parce que dans tous les domaines essentiels de la parole et de l’écrit, comme le dit la langue commune, chaque mot 'compte'; ou 'porte'(pp. 65-66), e, citando Lacan, arremata: “Tout symbole linguistique aisément isole est non seulement solidaire de l’ensemble, mais se recoupe et se constitue par toute une série d’affluences, de surdéterminations oppositionnelles qui le constituent à la fois dans plusieurs registres”[6] (p. 66).
                Ora, se os três levam em conta essa ligação íntima do sujeito que enuncia e o espírito da língua em que enuncia, obviamente isso tem consequências enormes para a tradução. Porque a tradução irá, necessariamente, romper essa ligação íntima ao verter o enunciado para um espaço linguístico, digamos assim, ao qual não pertencia originariamente. Aqui, pensar a tradução no sentido de tornar a tradução não familiar, ou seja, estrangeira, ganha um segundo peso: penser l’étranger. Não só a tradução como algo estrangeiro, mas como o que lida com o estrangeiro na forma do discurso. Quem formaliza melhor essa noção é Berman, ao defender a visada ética da tradução: “a essência da tradução é ser abertura, diálogo, mestiçagem, descentralização. Ela é relação, ou não é nada”[7]
                Essa tripla relação, a do autor com sua própria língua, a do tradutor com a sua e a do tradutor com o autor e a língua estrangeira, sempre nos níveis ideológicos de determinação do discurso, evidencia, para Venuti, que o tradutor não é invisível, como a prática irrefletida presume. Pelo contrário, estando os determinantes externos do texto inscritos em sua materialidade, o tradutor investe sua força produtiva, sua mão-de-obra, na transformação de uma matéria-prima, o texto original, e nesse investimento dota o produto do seu trabalho com a própria ideologia em que está submerso, não em estado puro, é claro, eis que o contato com o outro já pressupõe alguma mudança.
                Tendo cientes essas camadas de funcionamento da produção textual – tanto do texto original quanto do texto traduzido – é possível retomar a prática da tradução sob uma nova perspectiva. Essa perspectiva, que é uma perspectiva ética, é a que toma consciência do outro em sua alteridade e que procura deixá-lo aberto na tradução. Ou seja, não apagá-lo na prática assim denominada comum. É por isso que, num exercício mais rigoroso que se opõe ao da mera interpretação, Schleiermacher propõe, sob uma fórmula que ficou célebre, levar o leitor ao autor, sem procurar apagar o que é estranho, mesmo na tradução: eis que, mesmo sendo tradução, o leitor deve ter a consciência de que o texto é estrangeiro e diz respeito a um contexto estranho ao seu.
                É certo que essa proposta emperrará não poucas vezes em inúmeros impasses. Como mostrou Berman, o conjunto e a letra – a materialidade do texto – são também expressivos e determinantes do sentido. O que é preciso evitar, contudo, é a tendência planificadora, clareadora e embelezadora da tradução, para que não se perca de vista a particularidade da manifestação discursiva do autor. Inda mais no que toca à tradução literária, onde a forma tem tanta relevância quanto o conteúdo, se é que uma e outro são em algum sentido separáveis em tal tipo de composição. A essa tentativa de clarear o texto original para uma compreensibilidade mais acessível na tradução – a que Venuti chama de fluência e Berman de tradução etnocêntrica, hipertextual e platonizante (é dizer, uma tradução que planifica os acidentes do original para fazer brilhar o sentido, que, em última análise, é sempre uma interpretação dentre os sentidos possíveis) – Berman propõe[8] uma tradução ética, poética e pensante; que se vale tanto da reflexão sobre o próprio processo tradutório e de composição do texto original (tradução como crítica), como da experiência da obra e da língua, ou, em última análise, do outro. Essa experiência, que em outra oportunidade é chamada, graças ao fazer tradutório dos romanos, de translatio[9],  é de teor heideggariano, como cita Berman:

Fazer uma experiência com o que quer que seja (...) isso quer dizer: deixá-lo vir sobre nós, que nos atinja, que nos caia em cima, nos deite ao chão e nos transforme noutro. Nesta expressão “fazer” não significa precisamente que somos os operadores da experiência, “fazer” quer dizer aqui, tal como na locução “faire une maladie”, passar por, sofrer de uma ponta à outra, agüentar, acolher aquilo que nos atinge submetendo-nos a ele...[10]
           
          É nessa experiência do outro que reside a prática, não mais comum, mas refletida e ética, da tradução. E é na manutenção dessa experiência no produto de sua transformação que reside o sucesso do tradutor. Assim também o da crítica da tradução, que saberá recuperar os processos ideológicos que governaram autor e tradutor, descobrindo o um e o outro, sempre em relação. Pois, para terminar como começamos, citando Meschonnic, deve-se “Montrer que l’identité n’advient que par l’alterité” (p. 93).


[1] MESCHONNIC, Henry. Pour sortir du postmoderne. Paris: Klincksiek; 2009; p. 89.
[2] BERMAN, Antoine. A tradução em manifesto. In: Idem. A prova do estrangeiro. Cultura e tradução na Alemanha romântica. Trad.: Maria Emília Pereira Chanut. Bauru: EDUSC, 2002; p. 11.
[3] SCHLEIERMACHER, Friedrich E. D. Sobre os diferentes métodos de traduzir. Trad.: Celso Braida. Princípios. Natal, v. 14, n. 21, jan/jun, 2007; p. 233-265.
[4] VENUTI, Lawrence. A invisibilidade do tradutor. Trad.: Carolina Alfaro. Palavra, Rio de Janeiro, n. 3, 1995, pp. 111-134.
[5] BAKHTIN, M; VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. 2ª Ed. São Paulo: Hucitec, 1981.
[6] BERMAN, Antoine. L’essence platonicienne de la traduction. In: Ladmiral, Jean-René (org.). Revue d’esthétique (nouvelle série), n. 12 (1986). Toulouse: Éditions Privat, 1987; pp. 63-73.
[7] BERMAN, Antoine. A tradução em manifesto. (...); p. 17.
[8] BERMAN, Antoine. A tradução e a letra ou a pousada do longínquo. In: JORGE, Guilhermina (coord.). Tradutor dilacerado. Reflexões de autores franceses contemporâneos sobre tradução. Lisboa: Edições Colibri; 1997; pp. 15-63.
[9] Idem. Pour une critique des traductions: John Donne. Paris: Gallimard; 1995.
[10] Apud BERMAN, Antoine. A tradução e a letra...; p. 18.

domingo, junho 20, 2010

Hospital

cheiro de homem químico
cala a tudo
(gemido é silêncio
de humanidade)

- ser homem de novo, desnudar-se
de morte: essa máscara armada
com o sopro de um sopro íntimo:

um horizonte onde tudo lembra o fim -

no hospital
dormem até noites
e dias
despertam quando?

terça-feira, junho 15, 2010

O discurso poético de Heráclito

Trecho da redação de minha iniciação científica, intitulada "O discurso poético na filosofia pré-socrática". Importa marcar que o texto se insere numa discussão maior, ancorada lá mas não aqui, que situa a tradição poética da antiguidade na oralidade e na necessidade de memorização. Por isso, o que se lerá abaixo vinculará Heráclito à poesia principalmente no que concerne a esses elementos, já não tão indispensáveis para a poesia moderna e contemporânea.


Da vida de Heráclito de Éfeso pouco se sabe. Importa situá-lo, na história da filosofia, entre Xenófanes, a quem se refere, e Parmênides, por quem é referido. Teria florescido, de acordo com Diógenes Laércio, provavelmente baseado em Apolodoro, conforme nota Burnet, na Olimpíada XIX, isto é, por volta dos anos 504 a 500 a. C. Burnet diz também que Heráclito teria pertencido à antiga casa real de Éfeso e que renunciou em favor do irmão a sucessão ao título de basileu.
            Legou-nos uma obra fragmentária e sob a forma de aforismos, que abordam questões sobre o universo, a política e a teologia, conforme seus comentadores estóicos. Dada a forma do primeiro fragmento, que se assemelha, diz-nos Schüler [2007], a uma introdução, infere-se que teria escrito um livro. Ficou conhecido pelo epíteto de “ σκοτεινς”, o obscuro, graças ao seu estilo hermético. Estilo materializado num texto de caráter oracular, do qual ele tinha perfeita consciência, de acordo com o que lemos no fragmento 93DK:

ὁ ἄναξ, οὗ τὸ μαντεῖόν ἐστι τὸ ἐν Δελφοῖς, οὔτε λέγει οὔτε κρύπτει ἀλλὰ σημαίνει.
(O senhor a que pertence o oráculo de Delfos nem diz nem oculta mas assinala/ indica/acena/significa).

            Esse fragmento é central para a ideia esboçada nesse trabalho. Num primeiro momento, vemos que Heráclito não escreve em versos, mas em prosa. Entretanto, o hermetismo oracular não deixa dúvidas quanto ao encantamento provocado pelo discurso obscuro de Heráclito. Sendo prosa, é certo que Heráclito não deixa de ser poético, característica que lhe apõe a Suda: “ἔγραψε πολλὰ ποιητικῶς”[1] [MOST, 1999; 357]. Isso é verdade também para a leitura contemporânea, em que o poético não se sustenta somente no verso, sendo já para nós abundante as manifestações da prosa poética. Além disso, a dificuldade de lidar com o texto heraclítico advém da hesitação de se estabelecer sua significação. Não é para menos: a riqueza da poesia está justamente na sobreposição de várias camadas de significação possível, e nunca única, que vão aparecendo a cada nova exploração de cada fragmento. Por isso a centralidade do fragmento acima: Heráclito não discorre, não escreve tratados. Ele mostra para aquele que pode escutá-lo. Mostrar, não dizer, este é o procedimento do mito exemplar que abunda os versos de Homero e Hesíodo. Entretanto, à diferença dos poetas, Heráclito quer explorar o novo, renovar o já sabido rumo ao futuro incerto. Aí é que a clareza da poesia se torna o obscuro da sua tentativa de desvendar o logos:

Heráclito perscruta a passagem da autoridade de Zeus à autoridade de Apolo. Zeus foi o deus da epopeia, tinha a Memória como esposa, falava com autoridade na voz das musas. Essa época passou. Semideuses como os heróis da epopeia já não atraem admiridores. O homem sai da segurança que lhe oferecia o passado e se lança às incertezas do futuro. O prestígio de Apolo avança. O deus dos novos tempos é ele. O passado era claro, o futuro é obscuro. Muda a linguagem. Apolo não fala do que passou, aponta para o que há de vir. Ordens são desalojadas por acenos. Apolo fala a linguagem dos novos tempos. Heráclito segue-lhe os passos. [SCHÜLER, 2007; p. 39].

            Ainda no que toca ao estilo oracular, Burnet diz que era o estilo de época – ou seja, Heráclito se conforma ao discurso tradicional:

Os turbulentos acontecimentos do período e a revivescência religiosa davam um certo tom profético a todos os pensadores mais destacados, também encontrado em Píndaro e Ésquilo. Tratou-se igualmente de uma época de grandes individualidades, que tendem a ser solitárias e desdenhosas. Heráclito, pelo menos, o era. [BURNET, 2006; 152].

            O estilo oracular e aforismático marca, portanto, duas características que são fundamentais da palavra poética: o da reflexão e o da concentração. As frases curtas conferem-lhe uma autonomia plena e uma harmonia secreta, no dizer de Havelock. Exigem do leitor o desfolhamento de camadas sucessivas de significação, do mais concreto ao mais abstrato, isto é, uma análise, no mais evidente proceder de um crítico literário, rumo, portanto, à harmonia invisível, que o próprio Heráclito, no fragmento 54DK, diz ser mais bela que a visível.
            No que toca a esses níveis ocultos, Cornford, que aproxima o poeta e o vidente, o primeiro como aquele que, ao ter contato com a divindade, fala dos feitos memoráveis do passado, o segundo como aquele que, também ouvindo o divino, fala do porvir, diz que o filósofo antigo é o herdeiro dessa tradição a quem a posição do sábio cabia ao poeta-vidente. Isso fica claro na mística pitagórica e mais ainda no discurso de Heráclito, que “expõe como as coisas são no seu logos; mas os homens não podem entender o seu significado, tal como os não-iniciados não podem compreender o significado dos símbolos místicos e da linguagem ritual” [1981; 183].
            Ilustrativos dessa situação são os fragmentos 50 e 1DK:

οὐκ ἐμοῦ, ἀλλὰ τοῦ λόγου ἀκούσαντας ὁμολογεῖν σοφόν ἐστιν ἓν πάντα εἶναι
(Não a mim, mas ao logos escutando, é sábio concordar tudo ser um).
τοῦ δὲ λόγου τοῦδ' ἐόντος ἀεὶ ἀξύνετοι γίνονται ἄνθρωποι καὶ πρόσθεν ἢ ἀκοῦσαι καὶ ἀκούσαντες τὸ πρῶτον· γινομένων γὰρ πάντων κατὰ τὸν λόγον τόνδε ἀπείροισιν ἐοίκασι, πειρώμενοι καὶ ἐπέων καὶ ἔργων τοιούτων, ὁκοίων ἐγὼ διηγεῦμαι κατὰ φύσιν διαιρέων ἕκαστον καὶ φράζων ὅκως ἔχει. τοὺς δὲ ἄλλους ἀνθρώπους λανθάνει ὁκόσα ἐγερθέντες ποιοῦσιν, ὅκωσπερ ὁκόσα εὕδοντες ἐπιλανθάνοντα.
(Sendo sempre este o logos, os homens mostram não compreender tanto antes de escutar quanto depois de tê-lo escutado. Pois mesmo que todas as coisas se façam conforme este logos, eles parecem inexperientes experimentando de tais palavras e obras com as quais eu descrevo, discernindo e mostrando, de acordo com a natureza, cada coisa como é. Mas escapa aos homens tudo quanto fazem acordados, como fossem tudo quanto esquecem ao dormir).

            Sobre esses fragmentos, Cornford diz que “quando ele diz aos leitores que escutem não a ele mas ao logos é óbvio que ‘o logos’ representa um pouco mais do que o meu discurso. Representa a ‘verdade’ que o discurso dele exprime” [p. 183]. Interessa notar, além disso, uma sutileza dessa verdade. Heráclito se coloca como alguém que consegue vislumbrá-la, ele é quem pode escutar o logos e experimentá-lo em sua plenitude. Há um suave eco aqui daquele antigo contato do poeta com as Musas, as verdadeiras fontes da palavra recitada. O filósofo é tal qual o poeta: veículo do que falam o logos ou as Musas; e nesses dispositivos do discurso ancoram sua pretensão à verdade. Encontramos uma ligeira ressonância dessa interpretação também em Burnet. Segundo ele, quando, no Sofista (242d), Platão coloca um estrangeiro de Eleia dizer que certas Musas da Jônia estabelecem a unidade do múltiplo, lê-se aí que tais Musas representariam Heráclito.
            Esse vínculo de Heráclito com uma nova fonte da verdade desloca-o do que diziam os poetas, ainda que mantenha essa relação estrutural daquele que veicula o dito superior. Há ainda uma ligação do filósofo com os poetas no que concerne à oralidade da transmissão de sabedoria. Destaquemos a presença nos fragmentos acima a presença do verbo κούω (escutar), bem como nos fragmentos seguintes (19, 34 e 108DK) :

ἀκοῦσαι οὐκ ἐπιστάμενοι οὐδ' εἰπεῖν.
(Eles, não sabendo escutar nem falar.)
ἀξύνετοι ἀκούσαντες κωφοῖσιν ἐοίκασι· φάτις αὐτοῖσιν μαρτυρεῖ παρεόντας ἀπεῖναι.
(Ignorantes, tendo escutado parecem surdos. Sua voz evidencia ausentarem-se os que estão presentes.)
ὁκόσων λόγους ἤκουσα, οὐδεὶς ἀφικνεῖται ἐς τοῦτο, ὥστε γινώσκειν ὅτι σοφόν ἐστι πάντων κεχωρισμένον.
(De quantos escutei os λόγοι, nenhum chegou a isso, de modo a reconhecer que sábio é aquilo que foi separado de tudo.)


            Heráclito mostra aqui não só que se insere num contexto em que a oralidade ainda é o meio em que ocorre a transmissão e a discussão de ideias, donde o escutar e o falar ganham tamanha importância, como também faz lembrar, para o caso de escutar o logos nos fragmentos 1 e 50DK, os verbos νέπω (dizer, contar) e είδω (cantar) utilizados por Homero na invocação à Musa no primeiro verso da Odisseia e da Ilíada. O poeta, aqui, se coloca como aquele que escuta, e escuta para saber falar, na mesma relação estabelecida por Heráclito no fragmento 19 acima. Disso se pode presumir que, mais que ser lido, Heráclito busca ser reproduzido no falar e no escutar, e para isso vem a calhar seu estilo aforístico, de frases curtas, com um ritmo e uma imagética toda própria, que busca ecoar, num efeito retardado, diz Havelock, na mente do ouvinte que trabalhará as frases no modo da reflexão, para lhes desvelar a harmonia invisível.
            À concentração do estilo, somam-se recursos tipicamente poéticos, como a repetição, assonância, antítese, simetria, além de metáforas e jogos de palavras. A imagem mais célebre, a do rio que flui como símile da eterna mudança do ser, dos fragmentos 49a e 91DK, é o exemplo mais eloquente do fazer poético de Heráclito. Somaríamos outros, como a comparação do tempo com uma criança brincando (52DK), o mais belo dos homens comparado a um macaco perto de deus (83DK), a guerra como pai de todas as coisas, o que lembra a própria Teogonia (53DK), etc. Particularmente, na dialética heraclítica que procura estabelecer a harmonia dos contrários, o jogo de palavras do seguinte fragmento (48DK) parece ser o mais interessante:

τῶι οὖν τόξωι ὄνομα βίος, ἔργον δὲ θάνατος.
(Ao arco o nome é vida, mas a obra é morte.)

            O fragmento é belíssimo, de um nível poético invulgar. Sem nenhum verbo, embora a tradução precise se valer do verbo de ligação, Heráclito opõe aqui com uma fina manipulação do signo linguístico vida e morte como opostos de um mesmo objeto, isto é, harmonizados na diferença, copertencentes um ao outro. Pois, considerando que a escrita, em seu tempo, não utilizava diacríticos, Heráclito estabelece um jogo de palavras entre βίος (vida) e βιός (arco, sinônimo de τόξον), que, na pronúncia, diferem somente na posição da tônica, ligadas entre si pelo nome, pela linguagem. Ambas opõem-se à palavra θάνατος (morte), que, por sua vez, também se liga ao arco na medida em que este é uma arma de guerra, ou seja, é feito para matar. Eis que nesse ponto, Heráclito faz andar a tradição, e começa a mostrar como a escrita também pode ser relevante ao pensamento. A brincadeira linguística, presente nos poetas desde sempre, como, por exemplo, nas aglutinações dos epítetos homéricos, é onde a poesia encontra sua realização mais plena, pois é o lugar em que a linguagem se mostra em impasse, deslocada do seu uso comum e banalizado, lutando para superar-se e ir além de si mesma. Isso também é o que vê Havelock na leitura de Heráclito, ao dizer que:

De um total de 130 ditos, não menos que 44% ou 34% mostram preocupação com a necessidade de encontrar uma linguagem nova e melhor, ou um modo de experiência novo e mais correto; ou revelam obsessão com a rejeição de métodos correntes de comunicação e a recusa de formas de experiência correntes. [1996; 256, 257].

            Com isso, ele observa que:

Os aforismos de Heráclito foram moldados para memorização oral. É certo; mas, ao escolher o aforismo em vez do hexâmetro, ele, estilisticamente, abre novo espaço como pensador, e rejeita o papel mais fácil dos que continuaram a valer-se do metro e da expressão dos bardos. [...] O aforismo tem, evidentemente, uma ascendência popular tão antiga quanto o hexâmetro; e, como antes se notou, emprega formas características, ritmos próprios. De qualquer modo, empregá-lo era romper com o fluxo fácil e (é-se tentado a dizer) impensado, do encantamento métrico e musical do bardo. Em particular, como também já foi assinalado, isso significou o descarte do acompanhamento de um instrumento musical. Significou tentar uma exposição em estilo mais rijo e mais desafiador. Logo, sugiro eu, Heráclito foi quem forneceu o protótipo e a origem ancestral da primeira prosa filosófica. [1996; 257].

            Seria nessa tentativa de fazer emergir uma nova linguagem, a prosa filosófica, que Havelock localiza o conceito de logos de Heráclito: uma linguagem que pensa a si mesma e que se problematiza. Entretanto, é preciso observar que Heráclito ainda não representa a prosa filosófica em seu nível mais realizado. Ele não escreveu um tratado prolixo e detalhado, nem em uma linguagem fria e purificada de qualquer tipo de encantamento. Pelo contrário, ele se encontra num tênue equilíbrio entre poesia e prosa, não mais uma e não ainda outra, o que é dizer que sua situação é das mais privilegiadas na história do pensamento. É daqueles raros momentos em que a tradição se põe no mais frutífero passo da ruptura que não representa um niilismo indiferente com aquilo que supera, mas uma crise que se refere a todo tempo ao passado e o atualiza sem necessariamente jogá-lo no lixo. Parece-me que não faria sentido ouvir o logos se já não tivesse havido aquele que outrora dispôs-se a ouvir a Musa.


[1] “Escreveu muitas coisas poeticamente.”

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BURNET, J. A aurora da filosofia grega. Trad.: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC-Rio; 2006.

CORNFORD, F. M. Principium sapientiae: as origens do pensamento filosófico grego. 2 ed. Trad.: Maria Manuela Rocheta dos Santos. Lisboa: Calouste Gulbekian, 1981.


HAVELOCK, E. A. A revolução da escrita na Grécia e suas consequências culturais. Trad.: Ordep José Serra. São Paulo: UNESP; Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1996.

MOST, G. W. The poetics of early Greek philosophy. In: LONG, A. A. (org.). The Cambridge companion to early Greek philosophy. Cambridge: Cambridge University; 1999.

SCHÜLER, D. Heráclito e seu (dis)curso. Porto Alegre: L&PM, 2007.

quinta-feira, maio 20, 2010

democráticas

não há polícia que nos
detenha!

(nem há nada que nos defina)

anistiadas

um dia vou entender por que a cesura
me fez hesitar me fez
continuar

está longe (sabê-la antes censura
da) mesma) tontura) (mesmo a tortura
........................................me fez falar

segunda-feira, maio 10, 2010

Safo - frag. 16, versos 1-4


Cavalarias, tropa de infantes uns,
Outros navios dizem sobre a terra
o mais bonito ser; a mim é aquilo
                a que se ama.

[Mais literalmente.: uns um exército de cavaleiros, outros [um exército] de infantes,/outros [um exército] de navios dizem sobre as terras negras/ser o mais belo de tudo, eu [digo que é] aquilo/que alguém ama.]

quinta-feira, maio 06, 2010

Chá das cinco

topávamos chá
porque queríamos poemas
de anglo-sachezões
tão delicados e repletos
de folhas de secos versos
impoetados e dilulidos
totostados, fermaltados
pintatintapintados
escrimpressos à mão

tomávamos chá sem crimes
porque éramos marginais sem creme
em bom chão português

sábado, abril 03, 2010

Iambos de Arquíloco - Fragmentos 30 e 31 (West)


Com um de mirto ramo alegre estava
E bela flor de rosa.
Cabelos sombreavam
Seus dorso e ombros nus.

[Mais literalmente: Ela, portando um ramo de mirto, se alegrou/e [portando] de rosa uma bela flor./seu cabelo/aos ombros sombrabaixou [cobriu com sombras] e ao dorso. 
O "nu" ficou por minha conta, o metro o pedia.] 

Elegia de Mimnermo - Fragmento 6 (West)


Oxalá sem achaques ou doídos sofreres
Morra eu sessentão!

[Mais literalmente: Ah, sem doenças e dolorosos sofrimentos/a moira [ou o destino] sexagenário da morte [me] alcance.


Note que inverti completamente o tom da elegia: de um lamento fiz uma imprecação bem-humorada. Mimnermo é bem um reclamão, vale pintar-lhe assim. A inversão se dá inclusive no pé de base da métrica do poema: Mimnermo usa pés datílicos, a base do dístico elegíaco (sílabas longa-curta-curta); eu traduzi em pés anapésticos, seu oposto (sílabas curta-curta-longa; no caso, em português, átona-átona-tônica)]