domingo, agosto 17, 2008

Concorrência

Vi neste fim de semana um senhor de barba mal feita, unhas grossas e pretas, testa a brilhar com o suor acumulado dos dias, palavras mal ditas, olhar de cachorro, roupas tiradas sei lá de que milênios passados, quando os rasgos e as traças talvez estivessem em voga. Sentado com as costas encurvadas num banco da Praça Osório, estendia a palma da mão encardida aos passantes pedindo dinheiro. Passaram uma senhora, um estudante universitário e dois homens trabalhadores. A primeira uma nota, o segundo umas moedas deu. Dos dois homens, um não lhe deu ouvidos, o outro disse baixinho que não tinha nada. Ossos do ofício, pensei.

Eu com minha barba feita e minha gravata, perfumado e cabelo bem aparado antevi uma ótima oportunidade de complementação de renda. Se o velho, que da boa postura nada tinha, recebeu uns trocados, eu, com toda minha fineza e com meu berço, inspiraria muito mais confiança. Estendi, porém, a mão a umas senhoras, a uma família, a crianças e jovens, aos homens trabalhadores, e tudo que consegui foi desdém. Creio que alguém até chegou a me alcunhar de insano.

Lembrei da tal transvaloração dos valores que viemos sofrendo pelos anos do nosso tempo. A isso atribuí a falência total da minha empreitada.

Um comentário:

Daniel F. disse...

A compaixão é algo relativo, assim como a hipocresia.

Sempre leio o teu blog, mas quase nunca comento. Só pra avisar. =D

Abraço!