quarta-feira, dezembro 24, 2008

Meme Literário?

Pediram-me que participasse de um Meme Literário e respondesse a questionamentos sobre algumas experiências minhas com a literatura.

Aqui, entretanto, tento evitar minhas memórias. Há, sempre há, mas é preciso literalizar. Deus me livre das minhas biografias, a menos que sejam mentirosas! A quem poderá interessar meu fascínio infantil por enciclopédias e atlas? Pra que dizer que o que me marcou a infância foram o volume 14 da Barsa de 1976 da casa da minha avó, um Atlas do Corpo Humano e o Guia dos Curiosos? Seria bem melhor dizer, qual um Stuart Mill, que li aos oito Esopo e Xenofonte no grego antigo, cujo alfabeto aprendera aos três. Porque, a ficar na verdade, além daqueles, meu primeiro hábito real foi com Agatha Christie - traduzida - e os seus homicidas do Assassinato no Expresso do Oriente. Talvez interessasse um pouco mais minha adolescência, e minha paixão pela Capitu, cuja fidelidade defendi ardentemente num júri em que a acusavam de trair Bentinho. E meu encanto pela poesia que veio de um poeta... parnasiano! Sim, era Raimundo Correa e o seu soneto Mal Secreto: Quanta gente que ri, talvez, consigo, guarda um atroz, recôndito inimigo como invisível chaga cancerosa! É, rio pelo que andei lendo esses anos todos, mas escondendo que todo o edifício da literatura me é inimiga oculta por ser intransponível. Hei de viver na interminável - e por tal sempre frustrante - Biblioteca de Babel, qual imaginada por Jorge Luis Borges, nome que está - e isso não é segredo a ninguém - no topo dos meus tops qualquer número. Todos os livros por ler são espinhos n'alma, e alguns lidos não se desencravaram: entranharam-se mais nas minhas dores. Seja porque me impõem o dever de serem relidos - os de sempre: Homero, Shakespeare, Joyce, Proust, Kafka... -, seja porque me dão a impressão da maior perda de tempo. Isso porque também não é segredo da minha desconfiança com a literatura urbana contemporânea, que queima um maço de cigarros por página. Se Caio Fernando Abreu desce corroendo as vísceras, os beatniks meio que entalam na garganta. Mas os que estão em atividade no Brasil..., livrai-me, senhor! Não posso agüentar três linhas do Marçal Aquino, Mirisola ou Mutarelli. Dos contemporâneos, então, fico com o Tezza, e com Oswaldo Martins, que, alardeado na sua desgraça, revelou-se agradável surpresa. Não. Melhor não falar das minhas memórias, que mal as tenho. E por ser sempre nisso falho, nas matérias da memória, tenho a terrível mania de querer retê-la sempre, como que cerrando os pulsos para segurar a água que escorre. Fico sempre tentando desenvolver algum jeito de salvá-la, e o mais recente foram os post-it's em tudo quanto é página. Como sempre, inútil.

Perdoarás, Daniel, mas não responderei o Meme Literário que me propuseste.

4 comentários:

marie. disse...

Ao ler o trecho que revelas o despertar por um poeta parnasiano, quase pude relembrar a sua própria cara de espanto ao contar!

Daniel F. disse...

Perdoar-te-ei! =)

Assim o faço, pois também quis escrever o mesmo que escreveste. Um questionário para uma vida inteira é quase um pecado!

Enfim, preferi apenas responder a fim de evitar ouvir reclamações posteriores da pessoa que me propôs o tal meme.

Abraços.
E feliz Natal!

Cristiano disse...

Acabou de responder.

Cristiano disse...

Ah. E como diria Hegel - se me perdoar pelo meu pedantismo inútil -, a objetivação é a morte do objeto. Mas não é de objetivação que vivem as memórias? Pois que seja. Afinal, memórias fazem parte de um passado que precisa ser morto para que sirva de ventre fértil ao futuro nascente.