segunda-feira, novembro 10, 2008

O impossível ensaio sobre as Investigações Filosóficas

Wittgenstein escreveu um livro. Outros estudaram. E um professor da matéria sobre o cara mandou que os alunos escrevessem um ensaio sobre o livro.

O aluno pensou, pensou. Mas esse era o problema. Na vida real ensaios não eram textos, de modo que assim de prima tava difícil saber o que ia ser aceito como ensaio. E quando pensou veio o problema de pensar: mas isso é ensaio? Qual a ensaiedade do ensaio? Falar disso, falar daquilo, citar este e aquele, isso é ensaio? E se eu me exacerbar, e se faço um artigo, uma monografia, ou um verbete de dicionário filosófico? Vai que saia um esquete épico ou um poema cômico...

O aluno pensou tanto que filosofou, e a palavra já no débil uso do cotidiano ficou sem uso. Ou melhor, sem significado. Ou melhor, inexplicável. Ai resolveu sair por aí pra perguntar o que é ensaio, pra ver o que é usar a palavra ensaio. Se perdeu por aí. Como é que ia ensaiar a música, a peça, a entrada no palco pro dia da formatura e entregar isso pro professor? Ah, é, esqueceu do livro: e as investigações, onde ficam nisso? Podia ensaiar escrever o livro, que talvez fosse copiá-lo, copiá-lo, copiá-lo para ter enfim uma cópia definitiva, o não-ensaio. Só que bem mais que a página-e-meia limite.

Reconheceu que viajou demais. Era só - só! - escrever isso e aquilo sobre, sei lá, a falibilidade ou a limitação da ostensão como meio de aquisição e funcionamento da linguagem (!); descer às minúcias na explicação de um certo jogo de linguagem até chegar ao ponto em que a explicação tinha, afinal de contas, que acabar (!!); ou igualar o tal jogo à política: só existem onde há os homens, nunca o homem só (!!!). O aluno foi bem além, achando que tava chegando, mas não. Pensou em explicar a superação do solipsismo com um jogo de sym-pathia (!?). Palavras gregas - e com hífens! - sempre dão bons efeitos. Pros ingênuos. E o professor era um? A ver? Não, desistiu.

Mas por que um ensaio tinha que ser isto? Ah, de novo as perguntas, e o aluno se estrepou de vez. Resolveu que era pós-moderno, que não tinha essa de gênero, de funções discursivas não. É tudo um caldo só. Foi escrever é conto, como um conto-ensaio em que personagens wittgensteinianos - Groucho, Chico, Harpo - jogavam blocos, lajotas e tijolos um para o outro, testavam o martelo para ver se realmente mudava a posição do prego, mediam o metro do metro-padrão de Paris e ensacavam as cores em embalagens a vácuo, olhando pela janela pra ver se era o caso. Ou se iludiam - sem se iludir (jogavam um jogo, o narrador outro) -, pois eram besouros aquilo que tinham em suas caixinhas (dizem os personagens), quando um tinha uma formiga, outro uma borboleta e o terceiro o anel de uma latinha de coca-cola (diz o narrador).

Só que nem sabia - o narrador? os personagens? o aluno! - que jogo jogava quando se chamava de pós-moderno. Viu o que escreveu e entendeu um pouco: uma desculpa pra ser qualquer coisa, pra jogar qualquer jogo, pra entregar qualquer coisa pro professor, menos um ensaio.

Ia amargurar o zero, enfim. Ou, vai que dá?, escreveu um texto em terceira pessoa - arriscou o indireto livre por uma ponta de sofisticação - relatando as dúvidas que apareceram na tentativa de rabiscar qualquer coisa da matéria. A porra é que não lhe veio idéia bem definida nenhuma pra trabalhar a investigacidade das investigações, mas podia se entender, o LW levou sei lá quantos anos pra escrever, eu tive dois meses pra ler, enfim...

O professor leu aquilo (disse que), mas nada de sym-pathia. Ou um pouquinho. O texto lhe voltou com uma letra vermelha algo mais bonita que a sua própria. Um 4,0 suficiente não pra ele passar, mas pro professor não ter que corrigir prova final. E escrito assim: “Aprenda a jogar: ensaio é ensaio. Assim de simples”.

3 comentários:

Daniel F. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Daniel F. disse...

Ensaio é um tipo de texto que consegue ser mais misterioso que resenha crítica. Todas as do último tipo que eu já fiz (que foram só duas, mas tudo bem!) se tornaram mais críticas do que resenhas e justamente por isso tiveram nota alta. Então, afinal de contas, o que é a resenha crítica? Uma pseudo-resenha que é aproveitada para expor argumentos e opiniões? Dúvidas, dúvidas.

De qualquer maneira, considerando o assunto, o professor, a exigência, o autor do livro tratado e todo o mistério envolta do tipo textual "ensaio" posso te dizer que sim, emaranhar-se no meio desse jogo é algo mais do que compreensível.

Bona fortuna, amicus meus!

Abraço!

marie. disse...

Será o ensaio algo tão leve?