segunda-feira, outubro 13, 2008

Elegia

Sou um dos liberados males por Pandora;
Figura-me porém do infortuno o sentido
Igual ao derradeiro que correu afora:
Dos tristes a esperança há tempos tenho sido.

Sou dois, sendo já um, inda outros males tenho,
E serei também guerra, o medo dos povos,
O pranto que ao consolo presta e pronta venho,
Sem que ao meu próprio choro acorram males novos.

Sou vida mais vivida, e me odeia a vida;
Amigos todos faltam; se duvidas, vide-o:
Semi-vivo procura-me, o suicida;
Pelo afeto, obrigada, dou-lhe o suicídio.

Sou com isso mui só, que amigos hei de ter?
Se os quais a mim tocar desejam, e os que não,
Hão de sempre, infelizes, no toque morrer,
De modo a não restar-me senão solidão?

Sou desafortunada, vês que o sou deveras:
A todo mal que falem eu serei pertinente,
Como coisa maldita, reles coisas meras.
Mas poucos saberão: sou também - direi! - gente.

Sou, com efeito, parte da humanidade.
Como se não corresse ali tudo corre
No meio natural: cair um dia há-de
U’a planta, natureza porém nunca morre.

Sou, e sou realmente, dentre os homens uma:
Alguém contradirá: o homem não é uma planta?
Homem o nome tem, não a flor, não o puma,
E eu o tenho também, como tanto se canta:

Sou Tânatos, sou Moiras, sou Parcas, sou Cruz;
Nas palavras mais doces posso ser má sorte;
Mas meus nomes rejeito por tirar-me a luz,
Daqui p’ra frente nego tê-la, alcunha Morte.

Um comentário:

giancarlo rufatto disse...

err, muito bonito.



*ja pensou em colocar umas legendinhas ligadas direto no wikipedia?