segunda-feira, maio 15, 2006

Sodoma

Queimem-se os pederastas e as tribofilistas! Degredem-se os dados à prática da cunilíngua e da felação! Mostro-te o retrato da minha cidade e tu me dizes que é que se passa. Tens razão, nada disso é mais que a parada da vergonha gay. Benditas senhoras – digo delas “frustradas”? – mães de família, porta-estandartes da moral e dos bons costumes, sejam bem-vindas: arrombem minha vida com suas panelas de fundo riscado com aquele movimento emblemático da sua mediocridade, sou seu servo.
Acusado de sodomia. Punido com demissão. Justa causa reconhecida por sentença judicial. Tenho dinheiro, sabes como é, não apelei, meu tempo urge, tenho o que fazer. O argumento: represento a empresa, vedada a mim a prática de atos que a degradem – mau procedimento, enfim. Revoltas-te? Puxa, não o faças. Fica sabendo que minha sodomia – não a neguei jamais – revolta muito mais essa gente: tua indignação é coisa pouca.
Em realidade, outro motivo muito mais aprazível fez-me aquietar com a coisa toda. Contaram-me que a empresa anda mal. Veja só, sou ateu, mas às vezes as divindades nos percebem e conosco brindam à vingança. Perdeu muitos clientes, sabes como é, eu os tinha conseguido. Não que eu fosse o mais importante e o melhor dos executivos, não isso, mas o que eu consegui era bem significativo. Não vai falir, não, logo volta como antes, só que o puxão de orelha já é de bom tamanho. E o filho do patrão, pupilo meu? Ih, esse ficará perdidinho. Tu sabes como ele é meio lerdo, e eu sempre lá p’r’uma forcinha. Dava um bom petisco, mas era do lado certo o garoto.
Sabes de uma coisa? Se o Ferreirinha soubesse como eu captei tantos clientes abriria uma boate gay. Jamais me demitiria. Consegues imaginá-lo chefe disso? Nem eu. O que tem de preconceito tem de honesto esse homem. Devias ter visto a odisséia que foi convencer o patrão a baforar charutos com clientes p’ra agradá-los. Treinou comigo, a sós (quando soube da minha sodomia ele deve ter tido espasmos só de pensar que ficou sozinho comigo no escritório! Crêem eles que não nos damos valor, não é?). Tossiu tanto... Legítimo Cohiba, o bom gosto eu lhe infundi.
É uma pena ter saído de lá, penso às vezes. Tinha um jovem, sabes como é, tão simpático. Isso é o que mais me dói. Mas fazer o quê? Disse a ele que não nos veríamos mais. Chorou; chorei. Não dá. Ele tem futuro, eu já sou cobra criada. Obrigo-me a preservá-lo.
Concordo contigo. Isso um dia ainda há de nos destruir a todos. Fazer o quê? Não tive ninguém que me advertisse a partir; não tenho filhas a salvar, muito menos mulher para se transformar em coluna de sal. Mas te digo, meu amigo: não são nem dez os que se salvarão do enxofre divino! Não há por quem possa o velho patriarca interceder diante do Deus e sua imensa intolerância. Se não a sodomia, qualquer outro mal será inventado para julgá-los. Nunca compreendi as revelações sagradas. E quem as fez, acertou?
Também acho.

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