domingo, agosto 01, 2010

Jonathan Swift, inventor do dadaísmo

Trecho extraído do Capítulo 5 da terceira parte das Viagens de Gulliver. Tradução minha.


Nós atravessamos a rua rumo à outra parte da academia, onde - como eu havia dito - os projetistas em ciência especulativa residiam.

Vi o primeiro professor numa sala bastante grande, quarenta pupilos consigo. Após os cumprimentos, ao notar que eu examinava gravemente uma estrutura que tomava a maior parte da sala, tanto no comprimento quanto na largura, ele disse que talvez eu quisesse testemunhá-lo envolvido num projeto destinado ao aumento do conhecimento especulativo através de operações mecânicas e práticas. Mas o mundo logo seria sensível a sua utilidade, e ele persuadiu-se a si mesmo dizendo que o mais nobre e exaltado pensamento nunca recuaria diante de nenhuma outra mente humana. Todos sabiam quão laborioso era o método convencional de alcançar a arte e as ciências, enquanto que pelo seu engenho a pessoa mais ignorante, com um esforço razoável e pouco trabalho braçal, poderia escrever livros de filosofia, poesia, política, direito, matemática e teologia sem a menor ajuda do gênio ou do estudo. Ele então me levou àquela estrutura, em cujos lados todos seus pupilos se alinharam. Tinha vinte pés quadrados, colocada no meio da sala. As superfícies eram compostas de inúmeros pedaços de madeira, com o tamanho aproximado de um dado, algo maiores. Eles estavam todos ligados por delgados cabos. Esses pedaços de madeira eram cobertos em cada lado com papel colado, e nesses papéis estavam escritas todas as palavras da sua língua. O professor então quis que eu observasse, pois ele ia botar sua engenhoca para trabalhar. Os pupilos, ao seu comando, seguraram cada um uma alavanca de ferro, havendo quarenta delas fixadas em torno das extremidades da estrutura, e dando a elas uma repentina puxada toda a disposição de palavras foi inteiramente modificada. Ele então ordenou que trinta e seis de seus rapazes lessem as inúmeras linhas suavemente na ordem em que elas apareciam sobre a estrutura; e onde eles achavam três ou quatro palavras juntas que pudessem formar parte de uma sentença, eles ditavam aos quatro meninos restantes, que eram escribas. Esse trabalho se repetia três ou quatro vezes, e em cada vez a engenhoca estava projetada para que as palavras alternassem os lugares à medida que os pedaços quadrados de madeira se moviam de cima para baixo.

Seis horas por dia os jovens estudantes se dedicavam a esse trabalho, e o professor me mostrou vários volumes em gran fólio com as sentenças parciais já coletadas, as quais ele tencionava juntar e dar ao mundo, a partir desses ricos substratos, um corpo completo de todas as artes e ciências, que no entanto poderiam ainda ser aperfeiçoadas e mais desembaraçadas se o público levantasse um fundo destinado à construção e ao emprego de quinhentas dessas estruturas em Lagado e obrigasse os usuários a contribuir com várias coleções em comum.

Ele me assegurou que essa invenção ocupou todo o seu pensamento desde sua juventude; que ele esvaziou todo o vocabulário nessa estrutura e fez o cálculo mais rigoroso da proporção geral que há nos livros entre os números de partículas, nomes e verbos, além de outras partes do discurso.

Eu dei meus mais humildes agradecimentos a esta pessoa ilustre por sua grande comunicabilidade, e prometi que se eu tivesse a boa sorte de retornar ao meu país lhe faria justiça como o único inventor dessa máquina maravilhosa - cuja forma e o projeto eu gostaria, com sua licença, de delinear no papel, como na figura aqui anexada. Disse-lhe que embora fosse o costume dos nossos estudiosos na Europa roubar invenções um do outro - quem por isso teria pelo menos essa vantagem: a de que se tornava uma controvérsia quem era o justo proprietário - ainda assim eu tomaria tantos cuidados que ele teria toda a honra sem qualquer rival.

Um comentário:

Cristiano disse...
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