sábado, março 07, 2009

A morte de Hylas

Tirado do Livro I dos Argonautas, de Apolônio de Rodes. Uma das mais belas pinturas poéticas que já li. Tradução do século XIX - na mesma ortografia de então - de José Maria da Costa e Silva.
Os nautas estão em terra, em Cyanea, onde ceiam. Hércules (chamado também no poema de Alcides - Alcides Hércules) saiu em busca de uma árvore para fazer seu remo; e Hylas de uma fonte para misturar ao vinho água e então presenteá-lo a Hércules.

Hylas a fonte deparou que chamam
O manancial as comvisinhas Gentes,
Que fosse o acaso permittiu no tempo
Das choreas das Nymphas, porque todas
Que habitam junto da nascente amavel
Tinham por uso celebrar Diana
Com cantares noctisonos, aquellas
A quem coubera o pincaro dos montes,
A quem grutas, ou bosques, de mui longe
Por ordem alli vem. Da fonte ha pouco
Pulchi-fluente tinha a Nympha sua
Ephydotea a cabeça alçado, e víra
Perto o mancebo, que brilhava ornado
De bellesa sem par, e amaveis graças.
Porque então plena a Lua, a luz em cheio
Sobre elle derramou; Venus da Nympha
O espirito amentou, que de conselho,
A custo, falta, o animo recobra.
Tanto porém que curvi-obliquo o Moço
Lançou á fonte a urna, e nella entrando
A agoa murmura no sonoro bronze,
A Nympha co'sinistro braço* cerca
O nivio cólo co'a avidez d'um beijo
Sobre os dois labios lhe imprimir; co'a dextra
Lhe aferra o braço, e o submergiu na fonte.



*Braço esquerdo. O significado remoto, no latim, de "sinister" é "esquerda(o)" ("sinistra" sendo "mão esquerda"), assim também, portanto, num português mais arcaico ou num uso arcaizante da língua. O sentido da palavra que temos hoje - monstruoso, assustador - creio que deve ter vindo da oposição ao lado direito ("dexter"), que acabou tendo o sentido d'"o que é certo".

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