Narciso, a que miras?
Joaquim, por que choras?
Guilherme, o que queres?
Bebidas?
Jogos?
Mulheres?
Livrar-te do mundo
Não podes.
Além do teu corpo
Não vais.
Ser algum outro
Jamais.
Narciso, pra quem vives?
Joaquim, onde vives?
Guilherme, vives?
Sim. No interior, pro pai.
Não não vives no interior
A não ser de ti.
Não não vives pro pai
Ele vive pra ti.
Não não vives
Se da morte retiras teu pão
E do pão à morte voltas.
***************
Amnésia. Pura amnésia e Jorge Prata não sabia
mais como a cidade funcionava. Pervagante em pedras
e cacos do mundo ligados entre si pelo cimento;
o sinal revelava-se verde quando então ele queria
andar, mas avermelhava-se todo o tempo em que
parava junto com os mil carros que por aqui passam
diariamente. Jorge Prata ouvia sons de batucadas
rivalizando com comícios e macacos me mordam
se não era ele um primata primitivo tentando absorver
tantos elementos que não se traduzem nas primeiras
percepções. E quando tinha já muito andado finalmente
compreendeu o que era aquilo quilômetros atrás, mas
andava em ruas completamente novas das de quilômetros
atrás e tinha que de novo compreender o mundo todo.
Jorge Prata era um só contra todos, sem guias, e não se
sabe por quê, já que Jorge Prata vive na cidade há tanto tempo.
Pode ter sido o que ele comeu, a sua barriga pesada,
enquanto todo mundo era uma pluma de leve e fluía
com muito mais naturalidade por esquinas e meio-fios.
Ah, Jorge Prata, que foi que lhe aconteceu? Jorge Prata
divisando finalmente nuvens, que entretanto sempre estiveram
ali sobre a cidade. Um ou dois ossos quebrados,
um pequeno riacho de plasma e hemácias que vertia
de sua boca. Jorge Prata foi atropelado e na posição
em que ficou pôde ver o céu. Nunca correu o perigo
mas por Deus que a cidade estava incrivelmente
estranha e por isso Jorge Prata vê-se agora vendo
nuvens enquanto as aglomerações ininteligíveis
chamam os anjos das sirenes que farão, enfim,
aquela maldita canção de campanha política ficar quieta
ou não se fazer ouvir.
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